Oceanos subiriam sete metros, apenas com derretimento do gelo da Groenlândia
O volume de gelo jogado no mar no ano passado foi de 200 quilômetros cúbicos. Imagens fascinantes e, ao mesmo tempo assustadoras, mostram as geleiras se desmanchando na Groenlândia.
Os repórteres Sônia Bridi e Paulo Zero percorreram 12 países nos quatro cantos da Terra para mostrar, bem de perto, a gravidade dos efeitos do aquecimento global. Primeira etapa dessa viagem: extremo norte do planeta, o lugar que mais sofre os efeitos das mudanças no clima.
Avançamos por um mar de icebergs até subir o fiorde, um canal profundo que avança para dentro da ilha. Quanto mais nos aproximamos da geleira, mais gelo na água. Os blocos batem no barco, mas não ameaçam nossa segurança. As encostas de pedra descobertas contrastam com o branco na água.
Encontramos a geleira de Eki, imensa, imponente, um paredão congelado se erguendo a 100 metros para fora da água. É um gigante que se desmancha diante dos nossos olhos.
Estamos na Groenlândia, 400 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico. A maior ilha do mundo, uma área do tamanho dos estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima juntos, é coberta por um manto de gelo de até três quilômetros e meio de espessura.
Essa é a região do planeta onde as consequência do aquecimento global são mais visíveis e mais perigosas. O derretimento da calota de gelo polar não tem grande impacto no nível dos oceanos, porque é mar congelado que derrete, mas o gelo da Groenlândia está sobre a Terra. Se tudo derretesse, os oceanos subiriam sete metros, só com gelo da Groenlândia.
Não há previsão de que isso aconteça nos próximos séculos. Enquanto no resto do mundo a temperatura média subiu 0,8ºC nos últimos 100 anos, na Groelândia, em alguns pontos, subiu 7ºC. A linha mais clara na rocha é a marca de quanto essa geleira já retrocedeu para dentro do fiorde.
As geleiras se despedaçam sob o sol do verão ártico. Nem o mais pessimista dos cientistas previu o ritmo do derretimento na região. Pedaços de gelo têm o tamanho de um ônibus. Um bloco tem o tamanho de um prédio de 10 andares. Até que a face inteira vem abaixo e afunda no mar. É um espetáculo lindo e assustador. O bloco que caiu tem a altura das torres do Congresso Nacional.
O impacto provocou um pequeno tsunami que espantou as aves e foi perdendo força até chegar ao nosso barco, afastado 400 metros da geleira. Tanto quanto a visão, o barulho de trovão do gelo se quebrando impressiona.
As geleiras parecem estáticas, mas, na verdade, elas são como rios de gelo que correm bem devagar. Durante mais de 100 anos, os cientistas têm acompanhado a velocidade desse deslocamento na Groenlândia. E elas mantiveram, até 1996, o mesmo ritmo. Até que começaram a ganhar velocidade. Em menos de 15 anos já estão correndo quatro vezes mais rápido.
Chegamos à cidade de Ilulissat, no porto que hoje fica sem gelo por um período um mês mais longo do que há dez anos. Continuamos nossa viagem a pé. Percorremos dez quilômetros na tundra, mais verde e florida que costumava ficar.
Chegamos a um fiorde em que não se pode navegar de tão cheio de tão grandes os blocos. As montanhas brancas são icebergs, muito lentamente rumando para o mar. O que se vê é só a ponta. Ao todo, ¾ do gelo do iceberg ficam sob a água. Tudo vem da geleira de Jakobshavn, a que mais produz icebergs na Groenlândia.
A Jakobshavn é conhecida como o Amazonas das geleiras, porque nenhuma outra da Groenlândia despeja tanto gelo no mar quanto ela. Foi dela que, no começo do século passado, se desprendeu um imenso iceberg que ganhou mar aberto e afundou o Titanic.
A face da geleira estava na região há apenas dez anos, mas já retrocedeu 15 quilômetros, ilha adentro. O gelo acumulado ao longo de centenas de milhares de anos derrete em alguns meses, levando com ele a história da atmosfera. As pequenas bolhas, aprisionadas quando a neve caiu, está o registro da concentração de dióxido de carbono em cada época do planeta. Nela, está a prova de que é esse gás, que provoca o efeito estufa, o responsável pelo aquecimento.
O branco que muda com a luz, a espessura, e a forma dessas esculturas que vão se transformando, até que gota a gota passem a ser parte do mar. É uma imagem poética, que pode mudar os destinos de centenas de milhões de pessoas no planeta.
Se continuar neste ritmo, só o gelo da Groenlândia vai ser responsável por um aumento de cinco centímetros no nível dos oceanos, a cada 100 anos, e isso, além do que já estava previsto.
O físico Jay Swally, da Nasa, estuda o gelo da Groenlândia há 30 anos. Ele mostra no mapa feito com sensores de altitude do satélite, como na costa o gelo já ficou de 10 a 20 metros mais fino em apenas dez anos. Mas é nas bordas que o maior desastre acontece: o gelo derrete mais, e as geleiras aceleraram.
O volume de gelo jogado no mar no ano passado foi de 200 quilômetros cúbicos. São 200 cubos de gelo com um quilômetro de altura, um de largura, um de profundidade.
“No ártico o calor é amplificado, particularmente no mar congelado. Isso foi previsto pelos modelos climáticos. E a razão é o efeito albedo”, explica o cientista.
O gelo reflete parte da radiação solar de volta para o espaço. Quando a neve derrete, a água do mar ou as pedras descobertas absorvem calor. Com o gelo derretendo no verão, então, 98% da radiação é absorvida pelo mar, em vez de voltar para o espaço. E isso aquece a água.
O que nos leva de volta à geleira Jacobson, que em dez anos perdeu todo o seu gelo flutuante. No rio de icebergs, o gelo era inteiro, compacto. Ele servia como uma barragem para conter a imensa pressão do gelo acumulado sobre a Terra.
Mas o cientista Mark Sereeze, do Nooa, o órgão do governo americano que estuda atmosfera e oceanos, explica que a água um pouquinho só mais quente foi se infiltrando por baixo do gelo, lubrificando a base da geleira, fazendo com que ela deslize mais rápido para o oceano.
Sem estabilidade, imensos pedaços se quebram e ganham o mar.
Os cientistas, que se surpreenderam com a rapidez das mudanças na Groenlândia, não sabem se o derretimento vai continuar acelerando. “É um caso no qual as mudanças estão acontecendo rápido demais para conseguirmos entendê-las”, admite Mark Sereeze.
Não que os cientistas não tentem. Seguimos o gelo quebrado até pousar em frente à face dessa geleira. Encontramos o cientista suíço Martin Lüthi, que está acampado para observar o desmoronamento da Jakobshavn.
A repórter Sônia Bridi pergunta como ela se comportou este ano. “Este ano foi excepcional. Ela sempre avançava na primavera até aqui e depois recuava. Ela se recompunha um pouco no inverno. Mas, este ano, no inverno, ela parou de avançar e agora tudo está se quebrando. Então, acho que vai piorar muito nos próximos anos”, diz o pesquisador.
A repórter pergunta como é testemunhar isso. “É assustador”, ele responde.
Encontramos a câmera que está dando ao mundo a dimensão da destruição das geleiras.
O fotógrafo James Balog pensou em uma câmera que dispara algumas vezes por dia, para medir o avanço de geleiras pelo mundo. De casa, ele vê o gelo diminuindo nas montanhas do Colorado, nos Estados Unidos, onde vive. Mas nada é tão impactante quanto a geleira de Jakobshavn. Ela tem a largura de seis vezes a ponte Hercílio Luz de Florianópolis.
Com uma força incrível, a geleira vai derrubando sua face, colapso atrás de colapso. Avança 45 metros por dia, em um movimento que não para de se repetir.
No espaço aberto pelo gelo da Jakobshavn em um ano, dá para botar 800 estádios do Maracanã.
“As fotos dão vida à tragédia. Os números das medições de satélite são importantes. Mas nós não vemos o mundo de 600 quilômetros de altura, vemos com nossos olhos, corações e mentes. E quando as fotos dão vida a isso, as pessoas podem entender”, explica James Balog.
Como a imagem acelerada nos mostra que este mundo só dá a impressão de ser parado, domo o sol da meia-noite revela uma névoa, o gelo evaporando e uma escuridão que só se insinua nos dias eternos do verão deixam ver os icebergs se encaminhando para seu fim. A simples transformação da água do estado sólido para o líquido, mudando profundamente este planeta.
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