Apesar das 20 toneladas diárias de esgoto estudo revela biodiversidade surpreendente na Baía de Guanabara
Publicado em janeiro 26, 2011 por Henrique Cortez
Em 1818, quando se dedicava à descoberta de novas espécies no Rio de Janeiro, o naturalista francês Joseph Paul Gaimard confidenciou a amigos que não gostava de trabalhar na Baía de Guanabara. Tinha medo de que as muitas baleias que nadavam por ali afundassem o seu barco.
Hoje, a baía ainda provoca temor – não devido aos cetáceos, há muito desaparecidos. O que afasta boa parte das 8 milhões de pessoas vizinhas desse ecossistema é a poluição. Em certas regiões, como a mais próxima à Refinaria Duque de Caxias (Reduc), qualquer forma de vida parece impraticável, tamanha é a quantidade de lixo. Mas uma nova pesquisa mostra que a baía, apesar das 20 toneladas diárias de esgoto ali despejadas, abriga uma biodiversidade exuberante. Reportagem de Renato Grandelle, em O Globo.
O levantamento é assinado pelo Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), em parceria com 70 profissionais de empresas e universidade fluminenses. A primeira fase da “Avaliação ambiental da Baía de Guanabara”, como o projeto foi batizado, rendeu o mais extenso diagnóstico do ecossistema. São 1.500 páginas de análises de sedimentos, identificação de compostos químicos despejados na água, inventário ecológico e análise de costões e manguezais, entre outros.
Até o início do projeto – que, agora, entra em uma nova etapa -, os trabalhos sobre a baía eram dispersos e pontuais. A análise do Cenpes ratificou estudos mais antigos e aprofundou discussões. Um dos enigmas destacados é por que aquele ecossistema, embora tão atacado, permanece vivo. A resposta está no intercâmbio mantido entre ele e o Oceano Atlântico. A cada 11 dias, metade da água da baía é “trocada”: sai dali rumo ao mar aberto, sendo prontamente substituída por outras correntes.
- A baía é um estuário tropical. A água salgada entra diariamente pela força das marés, por baixo, e a corrente que já estava lá é expulsa por cima – explica Marcelo Vianna, professor do Departamento de Biologia Marinha da UFRJ e participante do projeto do Cenpes. – Por isso, encontramos espécies oceânicas no meio da baía, como bagre africano e tilápia.
A mudança de águas transforma a baía em um berçário natural. Corvinas, linguados e camarões crescem ali e só após adultos buscam o Atlântico. A maioria concentra-se logo na abertura do golfo, até a altura de Paquetá. Trata-se da região mais funda – chega aos 55 metros de profundidade – e mais influenciada pelas correntes oceânicas. Até o tubarão-anjo, que atinge pouco mais de um metro de comprimento, encontra ali as suas presas.
O fundo da baía, porém, tem seus habitantes, a maioria concentrada na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim. A região, ao nordeste da baía, conserva formações originais de mangue. Esta vegetação repleta de raízes serve de proteção para peixes e siris jovens, entre outros animais, impedindo que se tornem alvos fáceis.
A baía que se revela nos estudos é mais plural do que julgam os seus vizinhos. Vendo-a do litoral, é difícil acreditar que, em seu centro, há regiões onde a profundidade pouco passa de 5 metros. Parece impossível que ali cheguem rios ainda limpos – eles existem, embora venham de áreas rurais. Soa impossível a afirmação de pesquisas de que as praias banhadas pela baía, em geral, têm areia mais limpa do que suas vizinhas oceânicas – o dado, porém, é comprovado por diversas análises. E é justamente o pequeno número de banhistas nas praias da Baía de Guanabara que explica como elas conseguem ser mais preservadas.
- Também foi impressionante constatar como não há registro de espécie extinta entre as que habitavam a baía – ressalta Vianna. – Há, sim, algumas cuja população está diminuindo. É o caso dos botos, que se envolvem em acidentes com redes e ingerem muitos poluentes.
O cetáceo é um retrato da Baía de Guanabara mais lembrada: aquela comparada a uma lixeira, e não a berçários. O ambientalista Mário Moscatelli, que sobrevoa a Baía de Guanabara há 13 anos, reconhece avanços no programa de saneamento básico implementado pelo governo estadual, mas reivindica novos investimentos.
- O poder público não fez nada em quatro décadas. Agora, será obrigado a compensar essa ausência nos próximos cinco anos, até as Olimpíadas – decreta. – A ocupação desordenada e a ausência de políticas de habitação contribuíram para o despejo de lixo na baía. O Caju, onde desaguam os rios Jacaré, Irajá, São João de Meriti, Sarapuí e Iguaçu, é particularmente crítico. As melhorias no saneamento farão diferença a médio e longo prazo. Agora precisamos de anúncios de medidas mais imediatas.
Desconhecimento sobre a fauna ainda é grande
Maria de Fátima Guadalupe Meniconi, consultora da área de Avaliação e Monitoramento Ambiental do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), diz que os três anos de duração do projeto permitiram realizar uma análise inédita sobre a dinâmica da fauna que habita a Baía de Guanabara.
- Sabemos agora, por exemplo, que a quantidade de espécies encontradas no inverno é mais expressiva do que no verão – ressalta. – Em nosso levantamento, encontramos 112 espécies de aves, sendo 45 aquáticas e 67 terrestres. Quinze eram ameaçadas de extinção.
Algumas populações estão em franco processo de crescimento. O biguá é a espécie mais abundante. Seus sobrevoos têm sido flagrados com frequência cada vez maior pelos realizadores do censo visual.
O monitoramento, no entanto, não se restringiu aos animais. Uma área degradada já passou por um programa de revitalização: o Rio Estrela, um dos principais na porção noroeste (a mais poluída da baía) ganhou cerca de 26 mil mudas entre 2005 e 2008.
Além do Estrela, os pesquisadores acompanharam rios de outras zonas urbanas e rurais. Na próxima etapa do estudo, a meta é traçar atividades em dez deles. Também serão ampliados os trabalhos em praias e costões rochosos.
- A relevância da baía não é devida apenas às numerosas atividades econômicas nas suas margens, mas também por suas características peculiares do ponto de vista ambiental – opina o pesquisador Marcelo Vianna, do Departamento de Biologia Marinha da UFRJ. – A riqueza na biodiversidade da baía deve-se à quantidade dos ecossistemas encontrados. Há manguezais, ilhas, costões rochosos, praias, substratos artificiais, fundos de lama, desembocaduras de riachos…
A riqueza de espécies, no entanto, tem sido negligenciada ao longo dos anos. A primeira ameaça é a própria falta de conhecimento sobre as formas de vida presentes ali. A literatura disponível sobre a fauna de peixes é particularmente escassa – uma falha grave, ainda mais considerando que o Rio de Janeiro foi capital do país e a Baía de Guanabara é sua porta de entrada.
Outro problema é a devastação dos mangues, algo constatado na maioria dos rios que desembocam na baía. Trata-se da vegetação que mais concentra espécies.
- Várias iniciativas já foram propostas para reduzir a poluição nas bacias hidrográficas, inclusive a instalação de pequenas estações de tratamento – revela Maria de Fátima. – Porém, não se pode repetir erros como o da Estação Alegria. Só descobriram que ela não tinha tubulações quando já estava pronta.
Algumas consequências da poluição, diagnosticadas durante a primeira fase do levantamento, serão detalhadas a partir da próxima etapa. A meta é encontrar soluções para problemas como a redução do espelho d’água, causada pelo assoreamento, e a perda de capital ambiental. Uma baía poluída significa menos um espaço de turismo, recreação, produção de alimentos e biodiversidade.
Leia o texto na íntegra nesta edição do GLOBO Digital (exclusivo para assinantes)
EcoDebate, 26/01/2011
ÁGUA - QUEM PENSA, CUIDA!
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