Ninguém vai morar em área de risco porque quer ou porque é burro
As pessoas vão morar numa área de risco porque não têm nenhuma opção para a renda que possuem
14/01/2011
Raquel Rolnik
Na última terça-feira participei do Jornal da TV Cultura, falando sobre o problema das chuvas que atingem várias regiões do nosso país nesta época do ano. Depois da apresentação de uma reportagem que mostrava deslizamentos de encostas e perdas de vidas em várias cidades, a primeira pergunta do apresentador Heródoto Barbeiro foi: “isso tem solução?”
Segue abaixo a minha resposta:
“Tem solução, sim. Evidentemente algumas medidas são paliativas. Há formas de intervenção para melhorar a estabilidade dos terrenos, drenar melhor a água, conter encostas, ou seja, melhorar a condição de segurança e a gestão do lugar para que, mesmo numa situação de risco, se possam evitar mortes.
Mas a questão de fundo é que ninguém vai morar numa área de risco porque quer ou porque é burro. As pessoas vão morar numa área de risco porque não têm nenhuma opção para a renda que possuem. Estamos falando de trabalhadores cujo rendimento não possibilita a compra ou aluguel de uma moradia num local adequado. E isso se repete em todas as cidades e regiões metropolitanas.
Não adiantam nada as obras paliativas aqui e ali se não tocarmos nesse ponto fundamental que é: quais são os locais adequados, ou seja, fora das áreas de risco, que serão abertos ou disponibilizados para que a população de menor renda possa morar?”.
Raquel Rolnik é arquiteta urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas e coordenadora da área de urbanismo do Pólis - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais.
ÁREA DE RISCO
As grandes tragédias "naturais" infelizmente atingem em cheio os mais pobres. No entanto não ouvi ainda ninguém dizer que ricos e famosos também colaboram para o aumento dessas catástrofes quando, em áreas de proteção ambiental, constroem suas casas, resorts, hotéis e pousadas. Tão responsável é o poder público que autoriza a criação de bairros em áreas de risco como também a construção de condomínios de luxo, hotéis e pousadas no meio da mata atlântica.
POR QUE SÓ APARECE ABRIGO PARA OS JÁ ATINGIDOS PELA TRAGÉDIA?
Acompanhando as reportagens sobre a tragédia na região serrana do RJ, vi várias vezes os repórteres falarem que a Defesa Civil havia interditado áreas, mas que moradores insistiam em permanecer lá. Quando questionados: "Mas você vai ficar aqui mesmo sabendo que pode morrer?", a resposta se repetia: "Eu não tenho pra onde ir! Se eu sair daqui, vou pra onde?". A reportagem deixa subentendido que as pessoas são irresponsáveis por estarem arriscando a própria vida. O Governador apela para as pessoas deixarem suas casas, mas não vi em entrevista alguma ele dando alternativa de abrigo. Vê-se que os que estão abrigados agora são os que já perderam sua casa, mas e os que correm o risco de perdê-la, onde devem se refugiar? Quantas mortes poderiam ser evitadas se, em vez de dizer apenas: "Sua casa pode desabar, saia daí!" fosse dito também: "Vá para este endereço, é um abrigo do estado, você pode ficar lá até que cesse o perigo"? Fica aqui a minha pergunta.
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