Folha de São Paulo - 11/09/2009
Enchentes: carta aberta ao governador
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS*
A atual estratégia de combate às enchentes de seu governo, que é a mesma dos anteriores, está totalmente equivocada
PREZADO GOVERNADOR, permita-me dirigir-lhe diretamente algumas palavras, com a franqueza necessária para que essas palavras tenham a chance de ser úteis ao senhor e à sociedade.
Não levando em conta as causas reais das enchentes, essa estratégia elege como suas prioridades os vultosos gastos na ampliação e canalização das calhas de nossos principais rios e na instalação de piscinões (apresentados ao senhor como a nova panaceia para o fim das enchentes).
Quanto à ampliação das calhas de nossos principais rios, tudo certo, realmente é medida indispensável.
Pelo mal urbanístico, sanitário e ambiental que causam à cidade, deveriam ser considerados a última das últimas alternativas a serem pensadas.
A equação básica das enchentes da região metropolitana de São Paulo pode ser assim expressa: "Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão, tendo como palco uma região geológica já naturalmente caracterizada pela dificuldade em dar bom e rápido escoamento às águas superficiais".
- ampliação das calhas de nossos principais rios;
- permanente desassoreamento de todos os rios, córregos e drenagens construídas;
- eliminação de pontos de estrangulamento representados por pontes, galerias e sistemas de drenagem antigos que já não suportam mais as vazões a que são submetidos;
- recuperação da capacidade de infiltração e retenção de águas pluviais em toda a área urbanizada, por meio, por exemplo, de calçadas, valetas e pátios drenantes, reservatórios domésticos e empresariais para reservação de águas de chuva, intensa disseminação de bosques florestados, plantio intensivo de árvores etc.
- redução máxima do assoreamento das drenagens naturais e construídas por meio do rigoroso e extensivo combate à erosão do solo nas frentes de expansão metropolitana, assim como ao lançamento irregular de lixo urbano e entulho de construção civil.
É necessário que as obras maiores necessárias sejam indispensavelmente acompanhadas de um trabalho diuturno baseado em pequenos serviços e providências, as chamadas medidas não estruturais, que resultarão no rompimento com as culturas técnicas da impermeabilização e da erosão, hoje as principais responsáveis pela insistente recorrência das enchentes metropolitanas.
Permita-me uma sugestão final: solicite ao IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) -uma instituição de extrema competência técnica, acima e alheia a interesses menores porventura presentes na estratégia atualmente adotada- um plano alternativo de combate às enchentes.
*ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS , geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da Divisão de Geologia. É autor, entre outras obras, de "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática".
Quatro histórias das enchentes em SP - VI O MUNDO
Culpa da chuva
ResponderExcluirCusto a entender como o paulistano suporta diariamente esse indescritível colapso dos transportes urbanos e continua elegendo a mesma casta política para administrar o Estado. Ninguém jamais será responsabilizado pelo cenário apocalíptico das enchentes e dos congestionamentos monstruosos? O eleitor entregou-se a tamanha catatonia que simplesmente acredita na culpa do temporal, do feriado, do “grande fluxo de veículos”?
São décadas de continuidade administrativa ininterrupta, com uma fortuna já incalculável pretensamente gasta em investimentos, obras faraônicas e propaganda. A malha metroviária continua ridícula e os rios infectos, transbordando sob qualquer chuvisco passageiro (não, isso não acontece apenas com precipitações intensas). E o máximo que o cidadão consegue fazer é dar de ombros e concordar que vida nas cidades piorou muito nos últimos tempos...
Claro, essa passividade tem a colaboração militante da imprensa paulista. Um governo petista seria trucidado pelo espetáculo ignóbil destes dias chuvosos (e não mencionei segurança, educação, saúde). Mas, como a reeleição de Lula provou, a mídia não fabrica eleições sozinha. É impossível assistir ao martírio da população da capital sem constatar um sutil lampejo de merecimento.