Por Daniela Estrada*
Envolverde - 14/09/2009
Santiago, 14 de setembro (Terramérica) - A água deve ser declarada “patrimônio comum” da humanidade, e a mineração e a agroindústria de exportação devem “retroceder”, disse ao Terramérica a canadense Maude Barlow, que há 20 anos pesquisa e denuncia a degradação e a privatização dos recursos hídricos.
Santiago, 14 de setembro (Terramérica) - A água deve ser declarada “patrimônio comum” da humanidade, e a mineração e a agroindústria de exportação devem “retroceder”, disse ao Terramérica a canadense Maude Barlow, que há 20 anos pesquisa e denuncia a degradação e a privatização dos recursos hídricos.
Barlow preside o Council of Canadians, a maior organização civil de seu país, e em 2005 recebeu o Right Livelihood Award, o prêmio Nobel alternativo. Com 16 livros escritos, hoje é assessora do presidente da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o nicaragüense Miguel d’Escoto.
O Terramérica conversou com ela no Chile, onde apresentou sua última obra, “O convênio azul: a crise global da água e a batalha futura pelo direito à água”.
TERRAMÉRICA: Qual a situação dos direitos da água no mundo?
MAUDE BARLOW: Esta é a questão mais contenciosa na discussão mundial sobre a água: se será mantida como um patrimônio da humanidade e um bem comum ou será convertida em uma mercadoria à qual se terá acesso por meio das regras do mercado. Este debate ocorre porque o mundo está ficando sem água. Caminhamos para um tempo onde dois terços da humanidade não terão acesso a ela. Há empresas, investidores e alguns governos que concordaram que o mercado decidirá sobre a disponibilidade de água. Isto apresenta três grandes problemas. O primeiro é que a água iria apenas para quem pudesse comprá-la, não necessariamente para quem necessitasse dela. O segundo é que, obviamente, não haveria nenhuma proteção da água para a reprodução da natureza. E o terceiro é que se criaria um desestímulo para proteger as fontes hídricas, porque, quanto mais escassa for a água limpa, mais alto será seu preço.
TERRAMÉRICA: Qual o grau de privatização da água atualmente?
MB: Ainda é muito pequeno, entre 10% e 15% dos sistemas mundiais de água potável e saneamento. Inclusive, existe um retrocesso porque muitos municípios estão recuperando sistemas públicos depois de tê-los privatizado. Nosso exemplo favorito é Paris, que esteve por quase dez anos sob um sistema privado e agora recuperou a água para a gestão pública. A outra forma de privatização é o engarrafamento. Essa é uma grande batalha em muitas comunidades do mundo. A última tendência é a privatização por meio de direitos: a água é considerada um direito de propriedade privada, vendida e comprada inclusive por intermediários (que cobram comissões no processo de comercialização). Também estão sendo criados bancos de água. O principal problema é que é gerada mais quantidade de direitos do que a água que existe fisicamente. Porém, felizmente, há pouquíssimos países que provaram este sistema. O Chile é um deles, e o mais extremista. Outros países que estão apenas começando são Espanha, Austrália e parte dos Estados Unidos e Canadá. Outro dos últimos extremos nesta tendência de mercado é que países ricos que não possuem muita água, como Japão, Arábia Saudita e alguns europeus, estão comprando terras em nações pobres apenas para ter acesso aos seus recursos hídricos. Começaram na África e agora se movem em direção à América Latina.
TERRAMÉRICA: Como vê esta região na área hídrica?
MB: Provavelmente possui a maior disponibilidade de água por pessoa, porque tem muitos recursos hídricos. Porém, na prática, conta com uma das menores disponibilidades. E há três razões para isso: contaminação maciça de águas superficiais e também de algumas subterrâneas, desigualdade no acesso e privatização.
TERRAMÉRICA: Como assessora do presidente da Assembléia Geral da ONU, que regulamentação mundial propõe?
MB: Que a Assembléia Geral adote um programa e uma resolução reconhecendo a crise mundial da água. O plano deveria basear-se em três princípios. O primeiro é a proteção das fontes de água doce e sua restauração em todos os países. O segundo é que a água tem de ser considerada um patrimônio comum. Deve-se garantir que todas as pessoas tenham acesso equitativo a ela. Isto implica em priorizar seu uso para a produção alimentar local, longe da monocultura para exportação. O terceiro princípio é estabelecer o acesso à água como direito humano. Seria um erro que qualquer um pudesse apropriar-se da água, quando há muita gente morrendo por sua falta. Nós reclamamos que os países mudem suas constituições, como o Uruguai fez há três anos, para adotar esta concepção que dá ao Estado a responsabilidade de manter a água limpa e garantir o acesso a ela.
TERRAMÉRICA: O que propõe para atividades industriais intensivas com relação ao uso da água, como a mineração?
MB: A mineração precisa retroceder. As companhias de mineração não podem continuar contaminando a água. Há empresas que praticamente estão governando alguns países. E isso tem de mudar porque os governos são para o povo e o povo deve formular as políticas. O uso comercial da água, incluída na mineração, vem depois das prioridades anteriores. Deve-se solicitar uma autorização e pagar por ela, e se destruírem as fontes ou contaminarem a água, as permissões devem ser canceladas. Existem dois setores que vão sofrer: as mineradoras (com muita tristeza tenho que dizer que grande parte das companhias de mineração no Chile é canadense) e a grande agroindústria de exportação.
TERRAMÉRICA: Que importância dá à mobilização da sociedade civil?
MB: A mobilização é tudo. As mudanças começam na base. Eu vi as pessoas mais pobres do mundo ficarem de pé para lutar pela água, e isto porque sem água morremos. Lembro de um homem idoso em Cochabamba, na Bolívia, que estava em um enfrentamento e eu lhe perguntei por que lutava. Ele respondeu que preferia morrer por uma bala do que seus filhos morrerem por causa da água suja.
* A autora é correspondente da IPS.
Crédito da imagem: Gentileza da entrevistada
Legenda: Maude Barlow, ativista ambiental.
LINKS
Diálogos
http://www.tierramerica.info/genero.php?tnota=9〈=port
o nome da página está em inglês; favor colocar em português -> Diálogos
Falta de água ameaça meio planeta
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3190
A água no limite
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=3043
Aquífero paraguaio sangra pela ferida
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=124
Tecnologias sociais garantem água, peixe e criação no semi-árido
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=112
Mazahuas preferem prisão a continuar sem água
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=148
Mineradora canadense insiste em remover geleira
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=13058&edt=
Council of Canadians, em inglês
http://www.canadians.org/
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Envolverde/Terramérica)
© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados e esta nota seja incluída
INSTITUTO SOS RIOS DO BRASIL
Divulgando, Promovendo e Valorizando
quem defende as águas brasileiras!
ÁGUA - QUEM USA, CUIDA!
O Terramérica conversou com ela no Chile, onde apresentou sua última obra, “O convênio azul: a crise global da água e a batalha futura pelo direito à água”.
TERRAMÉRICA: Qual a situação dos direitos da água no mundo?
MAUDE BARLOW: Esta é a questão mais contenciosa na discussão mundial sobre a água: se será mantida como um patrimônio da humanidade e um bem comum ou será convertida em uma mercadoria à qual se terá acesso por meio das regras do mercado. Este debate ocorre porque o mundo está ficando sem água. Caminhamos para um tempo onde dois terços da humanidade não terão acesso a ela. Há empresas, investidores e alguns governos que concordaram que o mercado decidirá sobre a disponibilidade de água. Isto apresenta três grandes problemas. O primeiro é que a água iria apenas para quem pudesse comprá-la, não necessariamente para quem necessitasse dela. O segundo é que, obviamente, não haveria nenhuma proteção da água para a reprodução da natureza. E o terceiro é que se criaria um desestímulo para proteger as fontes hídricas, porque, quanto mais escassa for a água limpa, mais alto será seu preço.
TERRAMÉRICA: Qual o grau de privatização da água atualmente?
MB: Ainda é muito pequeno, entre 10% e 15% dos sistemas mundiais de água potável e saneamento. Inclusive, existe um retrocesso porque muitos municípios estão recuperando sistemas públicos depois de tê-los privatizado. Nosso exemplo favorito é Paris, que esteve por quase dez anos sob um sistema privado e agora recuperou a água para a gestão pública. A outra forma de privatização é o engarrafamento. Essa é uma grande batalha em muitas comunidades do mundo. A última tendência é a privatização por meio de direitos: a água é considerada um direito de propriedade privada, vendida e comprada inclusive por intermediários (que cobram comissões no processo de comercialização). Também estão sendo criados bancos de água. O principal problema é que é gerada mais quantidade de direitos do que a água que existe fisicamente. Porém, felizmente, há pouquíssimos países que provaram este sistema. O Chile é um deles, e o mais extremista. Outros países que estão apenas começando são Espanha, Austrália e parte dos Estados Unidos e Canadá. Outro dos últimos extremos nesta tendência de mercado é que países ricos que não possuem muita água, como Japão, Arábia Saudita e alguns europeus, estão comprando terras em nações pobres apenas para ter acesso aos seus recursos hídricos. Começaram na África e agora se movem em direção à América Latina.
TERRAMÉRICA: Como vê esta região na área hídrica?
MB: Provavelmente possui a maior disponibilidade de água por pessoa, porque tem muitos recursos hídricos. Porém, na prática, conta com uma das menores disponibilidades. E há três razões para isso: contaminação maciça de águas superficiais e também de algumas subterrâneas, desigualdade no acesso e privatização.
TERRAMÉRICA: Como assessora do presidente da Assembléia Geral da ONU, que regulamentação mundial propõe?
MB: Que a Assembléia Geral adote um programa e uma resolução reconhecendo a crise mundial da água. O plano deveria basear-se em três princípios. O primeiro é a proteção das fontes de água doce e sua restauração em todos os países. O segundo é que a água tem de ser considerada um patrimônio comum. Deve-se garantir que todas as pessoas tenham acesso equitativo a ela. Isto implica em priorizar seu uso para a produção alimentar local, longe da monocultura para exportação. O terceiro princípio é estabelecer o acesso à água como direito humano. Seria um erro que qualquer um pudesse apropriar-se da água, quando há muita gente morrendo por sua falta. Nós reclamamos que os países mudem suas constituições, como o Uruguai fez há três anos, para adotar esta concepção que dá ao Estado a responsabilidade de manter a água limpa e garantir o acesso a ela.
TERRAMÉRICA: O que propõe para atividades industriais intensivas com relação ao uso da água, como a mineração?
MB: A mineração precisa retroceder. As companhias de mineração não podem continuar contaminando a água. Há empresas que praticamente estão governando alguns países. E isso tem de mudar porque os governos são para o povo e o povo deve formular as políticas. O uso comercial da água, incluída na mineração, vem depois das prioridades anteriores. Deve-se solicitar uma autorização e pagar por ela, e se destruírem as fontes ou contaminarem a água, as permissões devem ser canceladas. Existem dois setores que vão sofrer: as mineradoras (com muita tristeza tenho que dizer que grande parte das companhias de mineração no Chile é canadense) e a grande agroindústria de exportação.
TERRAMÉRICA: Que importância dá à mobilização da sociedade civil?
MB: A mobilização é tudo. As mudanças começam na base. Eu vi as pessoas mais pobres do mundo ficarem de pé para lutar pela água, e isto porque sem água morremos. Lembro de um homem idoso em Cochabamba, na Bolívia, que estava em um enfrentamento e eu lhe perguntei por que lutava. Ele respondeu que preferia morrer por uma bala do que seus filhos morrerem por causa da água suja.
* A autora é correspondente da IPS.
Crédito da imagem: Gentileza da entrevistada
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Falta de água ameaça meio planeta
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A água no limite
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Mazahuas preferem prisão a continuar sem água
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