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15 de janeiro de 2011

ENCHENTES EM SP: OS PROBLEMAS DA CIDADE NÃO SÃO CULPA DA NATUREZA


Enchente nas famosas avenidas marginais de SP 
São Paulo sempre conheceu os transbordamento dos seus rios na época das chuvas. Até fins do século XIX, o núcleo central paulistano, no alto de uma colina, ficava em meio às várzeas alagadas dos rios Tietê e Tamanduateí. As cheias causavam alguns inconvenientes, como bloquear caminhos mais curtos para certas localidades, mas, esperadas como as estações do ano, não provocavam grandes tragédias na cidade que evitava ocupar as baixadas e várzeas.
Em 1926, o renomado engenheiro-sanitarista Saturnino de Brito, lembrava em sua obra Melhoramentos do Rio Tietê em São Paulo, que as cheias nem sempre eram prejudicais aos humanos, sendo bastante conhecidos “seus efeitos benéficos para a lavoura, devido à fertilização natural que em certas condições pode ocorrer, como ilustra o famoso caso do Nilo, mas também o da Normandia e outras localidades, inclusive no Brasil, com destaque para Amazonas e Mato Grosso.” Para que as inundações fossem tidas como nocivas é preciso “que o homem insista em querer ocupar as várzeas inundáveis, ou que as enchentes diluvianas invadam localidades habitadas e nunca dantes inundadas.”
Infelizmente, em São Paulo, ocorreram as duas situações apontadas por Saturnino de Brito. Isso porque a cidade começou a se transformar radicalmente a partir de fins do século XIX. Ponto de articulação do território paulista integrou-se ao complexo agro-exportador cafeeiro como centro financeiro, mercantil e ferroviário, o que desencadeou um intenso crescimento demográfico: a cidade, que em 1872 possuía 31 mil habitantes, passou a contar 239 mil em 1900. No ano de 1920, quando São Paulo já se consolidara como importante pólo industrial do país, eram 579 mil os moradores da capital paulista, número que em 1940 atingiria a marca de 1 326 261 pessoas.
A explosão demográfica, a especulação imobiliária e o desejo de segregação por parte das camadas privilegiadas locais, deram início à incontrolável expansão da mancha urbana, que ao mesmo tempo que engolia as áreas rurais paulistanas, mantinha em seu interior enormes vazios e terrenos ociosos a espera de valorização imobiliária. Surgiram bairros burgueses exclusivos, regiões predominantemente industriais ou comerciais, e, aos trabalhadores, relegou-se a periferia distante ou as terras baixas juntos aos rios e córregos, numerosos na cidade.
No bairro de Vila Maria famílias trabalhadoras ocupavam a várzea alagadiça de uma periferia distante. Ao longo do século XX, a relação pobres/área de risco/periferia somente aumentou. Nas áreas centrais da cidade, os pobres ocupavam as baixadas como a do córrego da Saracura, hoje recoberto pela Avenida 9 de Julho. O Saracura era afluente do Anhangabaú, o primeiro curso d´água da cidade a ser tapado, no ano de 1906.
Assim, entende-se por que o noticiário sobre enchentes se repetia quase todos os anos e retratava, principalmente, regiões proletárias da cidade. O Correio Paulistano, em março de 1902, noticiava que depois de fortes chuvas, no bairro do Bom Retiro, junto ao Tietê e ao Tamanduateí, “muitas ruas acham-se transformadas em canais que apresentam um aspecto pitoresco, lembrando as ruas dos bairros populosos de Veneza, com as suas canoas que as percorrem em todos os sentidos (…). Na rua Luiz Sérgio Thomaz todos os prédios estão inundados e dois deles ameaçam ruir. Numa dessas casas encontraram uma família, composta de Miguel Onarteri, de sua esposa Maria e de cinco filhos, Peppino de 15 anos, Giovanna de 12, Francisco de 7, Giacomo de 6 e Felippe de 3, que se acham quase sem recursos, e como a casa não é muito firme, o dr. Barros (subdelegado do Bom Retiro) deu providência para que sejam recolhidos provisoriamente ao posto policial.”
A partir da década de 1920, as enchentes ampliaram seu efeito perturbador sobre o espaço urbano, pois, nessa época, se consolidou a idéia de que “o plano geral das grandes artérias da cidade de São Paulo” se achava “traçado pelas linhas gerais dos seus cursos d’agúa”, conforme afirmava em seu relatório de 1926, o prefeito J. Pires do Rio. Dizia ainda que “já uma grande avenida existe ao longo do Tamanduateí, entre o Monumento do Ipiranga e a Ponte Pequena. Cogitamos atentamente, da grande avenida do Tietê. Serão desses, de futuro, os eixos da cidade, no mapa de sua vias de comunicação (…) Serão essas, cada vez mais acentuando-se o seu caráter, as grandes avenidas dos bairros industriais de São Paulo (…).”
Acreditava-se, então, que a montagem e a operação do sistema hidrelétrico da Light, empresa que detinha o monopólio da produção e distribuição de energia elétrica na região de São Paulo e a retificação dos rios Tamanduateí, Tietê e Pinheiros colocaria um fim nas cheias dos rios, hipótese que não se confirmou, muito pelo contrário. Ocorrem, sim, algumas “enchentes diluvianas” que invadiram localidades “nunca dantes inundadas.” Ao longo do século XX, as avenidas de fundo de vale se multiplicaram, bem como sua ocupação pelas águas.
As enchentes alcançaram a própria região central de São Paulo, o largo do Riachuelo e em toda a baixada do Piques. Durante as chuvas mais fortes, na década 1930 e no início dos anos 1940, o local era invadido pelas águas que afluiam das ladeiras ao redor, interrompendo o transito de bondes, danificando automóveis e carroças apanhados de surpresa, com os passantes fugindo apressados para lugares seguros, juntando-se a pequena multidão que então se reunia para observar a fúria das águas.
Na verdade o largo do Riachuelo e a baixada do Piques eram o prenúncio de um tipo de enchente que somente aumentaria na cidade, àquela causada por uma drenagem urbana deficiente e pela impermeabilização do solo. Como explicava, Haroldo Paranhos, engenheiro da Repartição de Águas e Esgotos no artigo “O problema das enchentes no largo do Riachuelo e a suas solução”, de 1936, no “largo do Riachuelo, reunem-se tres galerias pluviais, que conduzem as águas das baciais do Anhangabaú, Moringuinho e Jaceguay. Estas bacias compreendem toda a área limitada pelos divisores que correm pela Avenida Paulista, Consolação e ruas Vergueiro e Liberdade, com superfície de 415,50 hectares.” Do “largo Riachuelo, ponto de convergência das três galerias, já nomeadas, partem duas coletoras que se desenvolvem pelo Parque e rua Anhangabaú, desaguando no canal do Tamanduateí, nas proximidades do novo Mercado Municipal.” Como “não se esperava no momento em que foram construídas o aumento de áreas pavimentadas, como depois se verificou ao longo dos três vales”, havia “um excesso de vasão nas galerias existentes à jusante do largo do Riachuelo” com o refluxo das águas.
Para solucionar o problema, segundo o engenheiro, seria preciso retirar das galerias da rua Anhangabaú as contribuições do Moringuinho e Jaceguay”, que seriam desviadas e enviadas diretamente para o Tamanduateí. O que traria a solução definitiva às enchentes do Piques, “que não só afrontam a grandeza da cidade que é um justo motivo de nosso orgulho, como é uma fonte perene de críticas acerbas que ferem profundamente a capacidade técnica dos departamentos públicos que tem por dever evitar e corrigir os desmandos da natureza”.
Curiosamente, apesar de sua própria explanação provar o contrario, Haroldo Paranhos concluia o seu estudo colocando a culpa das enchentes na natureza. Ainda hoje, no coração da cidade, o vale do Anhangabaú sofre alagamentos.
*Janes Jorge é Professor de História - Unifesp e autor do livro: Tietê, o rio que a cidade perdeu (Alameda, 2006).
(Envolverde/O autor)/MERCADO ÉTICO

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