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17 de janeiro de 2011

A QUESTÃO DA ÁGUA EM COCHABAMBA, NA BOLÍVIA




PONTO DE VISTA
Quem ganhou a guerra da água?

Paul Constance*

Como muitos jornalistas, fiquei fascinado pelas reportagens sobre a “guerra da água” que foi deflagrada em Cochabamba, na Bolívia, em janeiro de 2000.

Em um processo não-competitivo, um consórcio multinacional liderado pela Bechtel Corporation (uma das maiores empresas de engenharia e construção do mundo), sediada nos Estados Unidos, obteve uma concessão de 40 anos para prestar serviços de abastecimento de água para os 600.000 habitantes de Cochabamba. O consórcio anunciou enormes aumentos nas tarifas de água, o que causou protestos de rua, que foram violentamente reprimidos pela polícia. Um jovem manifestante foi morto nos confrontos, e a revolta pública logo levou o governo a rescindir o contrato.

O conflito rendeu notícias no mundo inteiro. A revista The New Yorkerenviou um repórter, que escreveu um relato de 7.000 palavras, e o Public Broadcasting System dos Estados Unidos produziu um documentário em vídeo sobre Cochabamba intitulado “Alugando a chuva”. Com poucas exceções, esses relatos apresentaram o conflito como uma vitória retumbante dos pobres e um exemplo de resistência popular contra a globalização. Em alguns círculos, Cochabamba passou a ser vista como um modelo inspirador de maneira de enfrentar as guerras da água em outros países.

Cinco anos depois, a mídia internacional parece ter esquecido Cochabamba, embora os problemas de água e saneamento da cidade só tenham piorado. Mais de 30% da população ainda não possuem água encanada, metade da água da cidade não é contabilizada, e os planos de expansão estão parados. Sem condições de conseguir por conta própria os fundos de investimento necessários, o serviço de água municipal solicitou um empréstimo governamental a ser financiado pelo BID.

A questão da água em Cochabamba hoje, como em boa parte da América Latina, é o desafio de transformar uma burocracia inchada e ineficiente num prestador de serviços competente. Isso não é nem de longe tão atraente quanto a guerra da água, por isso não interessa aos repórteres.

Os supostos agressores nas guerras da água também foram embora. Desde 2003, as grandes empresas internacionais de água retiraram-se sistematicamente dos países em desenvolvimento, desestimulados por perdas financeiras, regulamentações imprevisíveis e cenários políticos hostis. Hoje, poucos governos latino-americanos consideram a opção de concessões privadas para o abastecimento de água, em parte devido ao potencial de oposição pública, mas também porque os investidores não estão interessados. O breve boom de investimentos privados na década de 1990, que afetou apenas uma pequena porcentagem dos serviços de água da América Latina, agora parece ser mais uma exceção do que uma tendência.

Será que a debandada das empresas de água multinacionais, assim como a “derrota” da Bechtel em Cochabamba, devem ser celebradas como uma vitória para o povo da América Latina?

Eu acho que não. Durante os três últimos anos, visitei sete prestadores de serviços de água urbanos em três países latino-americanos. Dois desses serviços são administrados como cooperativas independentes, dois são serviços públicos semi-autônomos e três são concessões de longo prazo para empresas privadas. Todos eles receberam financiamento do BID.

Embora esses provedores de serviços estejam longe de ser perfeitos, todos eles estão tendo êxito na tarefa crucial de expandir o serviço para as populações pobres. Suas estratégias para isso são variadas, mas eles têm o mesmo enfoque: manter tarifas suficientemente altas para cobrir os custos de manutenção, reduzir o desperdício e usar subsídios cruzados para ajudar os consumidores de baixa renda.

A única diferença significativa entre os prestadores de serviços públicos e privados é que estes últimos esperam obter lucros. Ao contrário da percepção popular, porém, eles não cobram mais do que os provedores públicos. Na verdade, nos três países que visitei (Honduras, Equador e Bolívia), os prestadores de serviços privados estavam cobrando muito menos do que a média cobrada pelos provedores públicos ou cooperativas. Isso mostra que as concessões privadas de água – quando realizadas por meio de um processo transparente, em termos justos e sob regulamentação governamental eficaz – podem realmente beneficiar os pobres. Além disso, dada a escassez crônica de financiamento governamental e os recursos limitados de bancos multilaterais como o BID, o setor privado acaba sendo a única fonte realista para as dezenas de bilhões de dólares de que a América Latina precisará para resolver seus problemas de água e saneamento básico nos próximos anos.

Infelizmente, meus colegas jornalistas raramente reconhecem isso. Percebi um padrão persistente nos países que visitei. Quando um prestador de serviços de água público ou de cooperativa elevava as tarifas para acompanhar a inflação ou para pagar nova infra-estrutura, a reação dos meios de comunicação tendia a ser discreta. Mas quando um prestador privado fazia a mesma coisa, os jornais locais invariavelmente revertiam para o modo “guerra da água”, representando os investidores estrangeiros como invasores gananciosos. Essa caricatura também se mostrava irresistível para alguns políticos, que exigiam ruidosamente que o serviço voltasse para o controle público.

A retórica da guerra da água reduz um problema complexo de políticas públicas a um teste ideológico em que as pessoas precisam escolher um lado ou outro. Essa atitude ignora a realidade de que as políticas de água na América Latina são variadas e imprevisíveis. Por exemplo, enquanto grandes concessões privadas de água na Argentina e na Bolívia não deram certo, no Chile, Equador e Colômbia elas tiveram sucesso. No Uruguai, os eleitores aprovaram em 2004 uma emenda constitucional que proíbe investimentos privados no setor de água. No Peru, porém, uma organização chamada Movimiento Peruanos Sin Agua, que representa comunidades pobres da periferia urbana de Lima, reivindicou recentemente que o governo privatize o abastecimento de água para acelerar a expansão do serviço. E, em 1999, o governo cubano entregou uma concessão de 25 anos para a multinacional espanhola Aguas de Barcelona, encarregando-a de administrar o abastecimento de água na cidade de Havana.

Nesse contexto, a guerra da água de Cochabamba não deve ser vista como mais do que realmente foi: o resultado de uma concessão pouco transparente e mal projetada. O investimento privado não é uma panacéia para os problemas de água da América Latina, mas é uma alternativa que o povo da região deve ter oportunidade de explorar sem pisar num campo minado ideológico.

*Paul Constance é editor-executivo da BIDAmérica. Ele pode ser contatado em paulc@iadb.org.

Fonte: BIDAMÉRICA

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