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8 de maio de 2009

VENENO QUE DESCE O RIO


Leonardo Cavalcanti
Correio Braziliense - 07/05/2009

Estudo mostra como os agrotóxicos e a falta de saneamento básico em municípios costeiros matam os recifes de corais do Nordeste

Tamandaré (PE) — Um ciclo de destruição se repete no litoral todos os anos: herbicidas aplicados na cultura da cana-de-açúcar descem para o rio com as primeiras chuvas de março, correm para o mar, são empurrados pelos ventos e devastam os recifes de corais. A cadeia de eventos é iniciada — e nunca interrompida — nas plantações que abastecem indústrias como as usinas de açúcar e álcool localizadas em municípios costeiros de Pernambuco e em outras regiões localizadas ao longo de 3 mil km de praias nordestinas.

O mais recente alerta da destruição dos recifes de corais provocada pelo veneno industrial é uma pesquisa inédita realizada pelo engenheiro agrícola Eduardo de Macedo. Durante um período de três anos, Macedo produziu, no Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), estudo sobre os possíveis efeitos do coquetel de herbicidas usado por plantadores para exterminar as ervas daninhas e, assim, obter maior produtividade na cultura da cana-de-açúcar no litoral. O estudo de campo se desenvolveu em uma reserva marinha de 400 hectares em Tamandaré, a 110km de Recife.

A partir de um combinação de amostras coletadas embaixo d’água, imagens de satélites que apontam a chegada da pluma tóxica aos recifes e dados meteorológicos e oceanográficos — de ventos, ondas e correntes —, Macedo apontou como os sedimentos e poluentes agregados vindos de bacias hidrográficas da região chegam até o mar. Fotografias tiradas no ano passado de uma colônia de coral — a menos de 5m de profundidade — antes e depois da estação chuvosa no Nordeste revelam o rastro da destruição (leia ao lado). O primeiro flagrante foi feito em 7 de março, antes das chuvas, e mostra o coral ainda saudável. Com o início da precipitação pluviométrica, em 28 de março, a colônia apresenta os primeiros sinais de degradação. Em menos de três meses, o tecido está necrosado e o coral, morto.

“Durante a pesquisa, foi observada mortalidade de corais depois das primeiras chuvas, que é justamente o período de maior aplicação de agrotóxicos na cana-de-açúcar”, diz Macedo. A morte de colônias de corais ocorreu numa área fechada a pescadores e turistas, onde os resultados de preservação ambiental conseguidos com as medidas são ameaçados pela influência das bacias hidrográficas, que trazem o veneno dos agrotóxicos e dejetos de municípios costeiros sem saneamento básico. “Está comprovado que modelos não sustentáveis de agricultura causam danos irreversíveis a ecossistemas costeiros e às populações que dependem do mar”, afirma Macedo.

As ameaças aos recifes costeiros são tão antigas quanto o próprio país. Com o desmatamento da Floresta Tropical Atlântica, em 500 anos, restou a sedimentação causada pela erosão do solo. O mau uso da terra e da água é crime ambiental. Macedo aponta no estudo uma série de desrespeitos à legislação, segundo ele facilmente constatados na região: derrubada de matas ciliares, cultivo em áreas com inclinação superior a 45°, retirada de areia de leitos de rios e uso indiscriminado de agrotóxicos.

“Usinas modelos”
O presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar), Renato Cunha, afirma que os filiados à entidade não aplicam herbicidas perto de matas ciliares. O descarte do produto é feito em tambores de tríplice lavagem e os herbicidas são usados semprena quantidade exata, alega Cunha. “Nunca vi isso. Não existe perda do produto, seria burrice porque é antieconômico.” Ele sustenta que, hoje, a tecnologia está muito avançada e a região tem usinas exemplares. “O que pode estar ocorrendo é a poluição por óleo diesel de barcos ou algum produtor independente de cana-de-açúcar que não está tomando os devidos cuidados com o descarte do material. Temos um cuidado ambiental muito grande.”

Ao longo das duas últimas semanas, o Correio tentou ouvir um representante da Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH) e chegou a manter três contatos com três assessores de imprensa do órgão. Os funcionários prometeram localizar o estudo da UFPE e indicar um diretor a ser ouvido. Até o fechamento desta edição, entretanto, a CPRH não enviou a resposta.

NO TEMPO DAS FOGUEIRAS
A casa de número 117 da rua principal de Tamandaré, a 100km de Recife, foi feita com recifes — ou pelo menos parte dela. O dono do imóvel, o comerciante Antônio Carlos dos Santos, 72 anos, testemunhou a queima da estrutura dos corais nas décadas de 1960 e 1970 e chegou a carregar, em cavalos, os fragmentos dos recifes extraídos do mar por pescadores. “Eles preparavam as fogueiras na praia e queimavam as pedras”, lembra Antônio. As fogueiras derretiam o carbonato de cálcio do esqueleto dos recifes de corais. O pó era utilizado nas casas. A prática era comum em todas as áreas de recife no Nordeste e só acabou na década de 1980.

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