30/04/2010 - 11h04 Dá licença, mermão! Por Cristiano Vilardo* |
Hoje em dia, falar mal do licenciamento ambiental é mais comum que enchente no Rio de Janeiro. Diz-se que é um entrave ao progresso, um ninho de ambientalistas radicais, trincheira dos salvem-as-baleias, enfim: é o supra-sumo da burocracia brasileira. Eita cartório difícil, esse do IBAMA!
No entanto, é preciso colocar alguns pingos nos is de “licenciamento”.
Pra início de conversa, ao contrário de outros licenciamentos corriqueiros na nossa vida, o licenciamento ambiental não é um ato cartorial, de simples conferência de documentação. Na realidade, o licenciamento ambiental foi a forma encontrada no Brasil para implementar a Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, quando esta se difundiu pelo mundo ao longo da década de 1970. Hoje, a Avaliação de Impacto Ambiental é adotada formalmente em mais de uma centena de países, incluindo todas as economias desenvolvidas e a grande maioria dos países “em desenvolvimento”.
Muito além de uma burocracia, o papel da AIA é o de garantir a adequada consideração da variável ambiental nas propostas de desenvolvimento, evitando que decisões sejam tomadas sem o dimensionamento das suas consequências ambientais. O seu principal instrumento é o Estudo de Impacto Ambiental – EIA, que muito mais do que uma exigência do órgão licenciador, deveria ser um instrumento de auxílio ao planejamento de projetos mais amigáveis ao meio ambiente, identificando e avaliando os impactos e riscos do empreendimento e propondo as medidas de gestão ambiental a serem adotadas para minimizar os prejuízos ambientais.
Acontece que, infelizmente, essa perspectiva cartorial – do “tirar a licença” – é a que predomina entre o empresariado nacional e obviamente encontra bastante eco na cobertura da imprensa sobre o licenciamento ambiental. Os estudos ambientais muitas vezes são colagens de outros anteriores, realizada por uma consultora sem possibilidade alguma de interferência no projeto, a qual foi escolhida porque ofereceu ao contratante o menor preço…
Voltando aos pingos no is, vamos pensar o que é um licenciamento ambiental “bom”? Em uma primeira tentativa de aproximação, alguém poderia dizer que é aquele onde a avaliação dos impactos e riscos ambientais de determinado empreendimento pôde ser realizada na profundidade adequada, permitindo a proposição de mecanismos adequados de mitigação, compensação e monitoramento, e utilizando para isso o menor tempo possível ao menor custo global possível. Colou? Muito bem, agora como se operacionaliza isso?
Não parece muito difícil… E se colocássemos profissionais qualificados, em quantidade suficiente, para analisar esses estudos? Hummm… E se esses profissionais, além de bem formados, fossem capacitados para avaliar os impactos de diferentes empreendimentos? Além disso, e se esse pessoal fosse adquirindo cada vez mais experiência no licenciamento, ganhando confiança para propor soluções mais eficientes e eficazes?
Pois então… parece simples, não? Mas esqueceram de um detalhe: pra isso dar certo, esse pessoal precisa QUERER trabalhar com licenciamento! E esse pessoal só vai QUERER trabalhar com licenciamento na medida em que esse trabalho for valorizado de acordo com a importância e responsabilidade nele embutidas!
A vida como ela é: no concurso de 2002, o primeiro da história do IBAMA, entraram cerca de 60 analistas de nível superior para trabalhar na Diretoria de Licenciamento Ambiental, em Brasília. Em sua maioria, profissionais qualificados, muitos com mestrado ou doutorado, que vieram para a sede do IBAMA vindos de diversas partes do Brasil. Sabem quantos destes analistas trabalham hoje na DILIC? Apenas um. Definitivamente, analista experiente no licenciamento é espécie em extinção.
A razão da evasão? Óbvia. A clara incompatibilidade entre a responsabilidade envolvida no processo de licenciamento ambiental e a desvalorização do servidor público dedicado a essa função. Por desvalorização, englobamos uma série de questões que passam pelas condições adequadas de trabalho (computadores, capacitação, espaço de trabalho, bancos de dados, suporte jurídico, etc.) e chegam, inexoravelmente, à questão salarial.
O analista ambiental, não só do IBAMA, mas também do ICMBio e do MMA, hoje está submetido a uma proto-carreira na qual o patamar salarial do nível mais alto disponível (final de carreira) é inferior ao nível salarial de entrada da carreira de Especialista em Recursos Hídricos/Geoprocessamento da ANA – Agência Nacional de Águas, também vinculada ao MMA e com atribuições muito similares de regulação, controle, fiscalização e inspeção. E durma-se com um barulho desses…
Por conta dessa desvalorização, o trabalho no licenciamento ambiental no IBAMA tem se tornado um paradeiro temporário para o analista ambiental, mero compasso de espera enquanto se prepara para uma outra oportunidade que ofereça melhores condições de trabalho e de salário. Nesse cenário tenebroso, o tempo médio de permanência do profissional na Diretoria de Licenciamento Ambiental é de apenas 18 meses. Ora bolas! Como desenvolver excelência técnica, aprimorar e padronizar procedimentos, melhorar termos de referência, com uma rotatividade dessas?
E é nesse contexto que chega o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, com diversos projetos de infraestrutura pelo Brasil adentro, demandando licenciamentos em prazos exíguos e jogando faísca nesse barril de pólvora que é o licenciamento ambiental federal. Não dá pra dar certo… Qual a solução? Fortalecimento e valorização do licenciamento ambiental, para alcançar maior eficiência e eficácia no processo? Ilusão…
O que se viu nos últimos anos foi uma sucessão de “Destrava IBAMA”, “Agiliza IBAMA”, “Desocupa-a-moita IBAMA”: pseudo-pacotes de medidas com finalidade puramente midiática e de nenhuma repercussão prática no dia-a-dia do licenciamento ambiental. Que, por sinal, continua sem implementar seu sistema informatizado de licenciamento – o SISLIC – que já foi “lançado” oficialmente por uns 2 ou 3 presidentes do IBAMA e permanece empacado, sem uso.
São sintomas de que a própria política ambiental conduzida pelo governo encara o licenciamento numa perspectiva cartorial, de carimbador-maluco. Aliás, instituiu-se no IBAMA o rodízio de Diretores de Licenciamento: é um a cada hidrelétrica polêmica. Acabou seu turno, muito obrigado, próximo da fila!
Em síntese: quer licenciamento ambiental ágil e eficaz? Valorize o analista ambiental! Dê-lhe um salário compatível com o desafio de uma regulação de excelência! Forneça capacitação continuada e estimule o aprofundamento dos estudos em pós-graduação! Disponibilize modernos recursos de sistemas de informação para otimizar seu trabalho! Mantenha o profissional por um longo tempo na casa para que seu aprendizado seja incorporado pela instituição!
Sem isso… dá licença, mermão!
*Cristiano Vilardo é Analista Ambiental do IBAMA
(Envolverde/O autor) |
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