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7 de dezembro de 2009

ENTREVISTA DO ENG. JOÃO SUASSUNA NO PORTAL EcoD: "O NORDESTE TEM MUITA ÁGUA"

"O Nordeste tem muita água", afirma João Suassuna

Postado em Biodiversidade em 29/10/2009



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João Suassuna estuda a questão hídrica do semi-árido/Foto: Divulgação/Fundaj

O engenheiro agrônomo João Suassuna é um dos especialistas mais respeitados do Brasil quando o assunto é a hidrologia do semi-árido, principalmente em relação ao Nordeste Seco do país, região que o também líder-parceiro da Avina estuda há mais de uma década. Nesta entrevista ao portal EcoDesenvolvimento.org, ele relata parte de sua trajetória como pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, defende a criação de cisternas e critica veementemente o projeto de transposição do Rio São Francisco.

EcoD: Como é que se deu a trajetória profissional do senhor até aqui?

João Suassuna: Eu terminei meu curso acadêmico em 1974. Depois trabalhei durante sete anos no Ibama. Já no início dos anos 1980, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) implantou em Brasília uma coordenação de energia (setor que do final dos anos 1970 até os 80 era prioridade nesse país...), e eu fui convidado a trabalhar nessa área com pesquisas sobre a biomassa, carvão e lenha vegetal, por exemplo. Então trabalhei em Brasília cerca de 10 anos, depois fui transferido para a Agência Nordeste do CNPq, em Recife, para trabalhar num programa de difusão de tecnologia em nível de produtores de baixa renda.

EcoD: É aí que começa o teu interesse pela água no Nordeste?

João Suassuna: Exatamente. Este trabalho junto aos pequenos produtores ampliou minha visão sobre as questões hídricas do Nordeste, como por exemplo levar a água para uma região onde aparentemente não tem. Foi aí que a minha trajetória evoluiu. Mas antes disso vale destacar que a Agência Nordeste do CNPq acabou extinta na gestão do então presidente Fernando Collor de Mello. Então, nos deram a opção de sair de Brasília e migrar para uma instituição federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), foi então que cheguei a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

EcoD: Que conta com pesquisas importantes sobre o desenvolvimento sustentável.

João Suassuna: Isso. O forte da Joaquim Nabuco é a área social. Lá, eu comecei a desenvolver um trabalho voltado para o convívio com o semi-árido e, numa dessas vertentes, tratamos das questões hídricas do Nordeste Seco, e mais especificamente da transposição do Rio São Francisco.

EcoD: E o senhor critica bastante esse projeto. Por qual razão?

João Suassuna: Porque o Nordeste tem muita água. Para você ter ideia, o Nordeste acumulou, em suas represas, algo em torno de 37 bilhões de metros cúbicos d’água – é o maior volume de água represada em regiões semi-áridas do mundo. O que nós não temos ao certo, é uma política específica que faça com que esta água que já existe seja distribuída para as torneiras das populações. E é nesse cenário que o governo federal quer trazer a água do São Francisco para abastecer as principais represas do Nordeste e fazer com que haja o que eles chamam de “sinergia hídrica”.

EcoD: Qual é o significado dessa expressão?

João Suassuna: O impedimento de que as represas sequem. Mas o que precisa estar claro é que o Nordeste tem grandes represas que jamais secarão, mesmo com o uso contínuo dessa água. Então se a água do São Francisco abastecer as principais represas da região, ela acabará sendo usada de maneira errada.

EcoD: Por que?

João Suassuna: Porque essa água não vai resolver os problemas de quem mais precisa: a população difusa do Nordeste. E olhe que estou falando de algo em torno de 10 milhões de pessoas, que no exacerbar de uma seca passam sede e fome.

EcoD: Nesse caso, qual alternativa o senhor propõe?

João Suassuna: Para problemas difusos, você precisa de soluções também difusas. Ao cair nas grandes represas, a água do São Francisco vai favorecer ao grande capital. Lá em Fortaleza, o governo do Ceará está construindo uma siderúrgica que sozinha vai consumir um volume de água capaz de suprir a necessidade de um município de 90 mil habitantes. Então se a água do São Francisco cai na Barragem do Castanhão, que é a maior represa do Nordeste, e que já há um canal que a liga até o Porto de Pecém, lógico que esta água irá abastecer esta siderúrgica. É aí que entra o que nós consideramos como a “indústria da seca”. Estão prometendo abastecer 12 milhões de pessoas no Nordeste com a água do São Francisco, e não vai acontecer isso. Essa água será utilizada para o agronegócio, e é aí que temos investido o nosso trabalho. Nós temos 74 artigos publicados na internet denunciando essa realidade.

EcoD: A construção de cisternas é uma boa alternativa?

João Suassuna: Sem dúvida. Não é um canal de transposição que vai resolver os problemas socioeconômicos dos que mais precisam, no caso, a população difusa. Ora, se hoje, nas margens do São Francisco você já tem problemas de desabastecimento, não é um canal que vai receber tal impasse, porque nesse projeto não há a previsão de uma distribuição razoável dessa água para resolver o problema. Simplesmente não há.

Por intermédio da Agência Nacional das Águas (ANA), o governo federal editou o Atlas Nordeste de Abastecimento Humano de Água, que busca o abastecimento para 34 milhões de pessoas. Esta sim é uma grande ideia que está sendo implantada. Abrange um número muito maior de municípios e, pasme: custa a metade do que está previsto na transposição do Rio São Francisco. Esse projeto atende o problema de desabastecimento para os municípios até 5 mil habitantes. De que forma? Com a água que já existe na região, através da adução das águas já existentes nas represas, nos poços, enfim.

EcoD: E o que vem a ser a adução?

João Suassuna: Significa a utilização de tubulações para recalcar essa água, abduzi-la para as populações. Isso resolve o problema de 34 milhões de pessoas da área urbana. Para a área rural, referente às comunidades difusas, que moram nos pequenos lugarejos, grotões, pés de serra, existem alternativas, como as que vem sendo trabalhadas pela ASA Brasil – que desenvolve um programa de 1 milhão de cisternas na região seca do Nordeste. Esse programa já tem cerca de 300 mil cisternas implantadas. Uma cisterna de 16 mil litros resolve o problema de uma família de 5 pessoas durante os oito meses sem chuva na região. O Nordeste seco concentra suas chuvas quatro meses e nos oito meses restantes não chove, então, a cisterna rural abastece essas pessoas com água para beber e cozinhar durante oito meses. Nós temos que incentivar esse tipo de iniciativa, e não um projeto que vai trazer a água do São Francisco, que fica a 500 km do local de consumo, com preços exorbitantes.

EcoD: O senhor também é um defensor das fontes renováveis de energia. Já pesquisava a biomassa vegetal há 30 anos, não é mesmo?

João Suassuna: Verdade. É como eu disse, na época em que a energia era prioridade nesse país. Continuo defendendo essas alternativas aos combustíveis fósseis. O biodiesel também, já que ele também pode ser produzido a partir de oleaginosas como a mamona, a própria soja e o álcool combustível. Fui contra a proposta de implantação da cana de açúcar irrigada no Nordeste Seco para a produção de etanol. Caso acontecesse, seria um desastre. Ainda bem que houve o zoneamento da cana, o que isentou aquela região dessa proposta.

EcoD: Aquele anunciado pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, recentemente?

João Suassuna: Exato, em parceria com a Embrapa. Tive conhecimento que projetos nesse sentido seriam implantados no Oeste de Pernambuco, por exemplo, algo em torno de 80 mil hectares de cana de açúcar, com a água do São Francisco. Se hoje já não tem água do São Francisco para abastecer esse povo. Como é que eles querem tirar mais água para irrigar? E a gente sabe que a irrigação é que leva 70% do volume das águas extraídas dos rios. Seria um crime.

EcoD: João, o portal EcoDesenvolvimento.org agradece a tua entrevista.

João Suassuna: Eu é que agradeço.



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Um comentário:

  1. Enfim, a opinião de quem entende. Que razão teria ele de ser contra a transposição do São Francisco se não fosse técnica!?

    Para mim este projeto é eleitoreiro. Será mais uma obra faraônica no meio do sertão. Logo as verbas para a sua manutenção escassiarão no mesmo ritmo das mudanças climáticas...

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