Belo Monte, tragédia ambiental
FREI BETTO
Raoni, líder indígena, afirma que em 2007, ao receber a Medalha do Mérito Cultural das mãos do presidente Lula, este prometeu jamais assinar a construção da barragem de Belo Monte, no Xingu (PA).
Está tudo pronto para que, em janeiro, ocorra o leilão da hidrelétrica a ser construída no Rio Xingu. Uma das joias da coroa do PAC. Falta apenas a licença ambiental do Ibama. Devido às pressões do Planalto para que o sinal verde seja dado o quanto antes, vários peritos do Ibama já pediram demissão.
Sting, cantor britânico, esteve no Xingu na última semana de novembro para apoiar a rejeição a Belo Monte: “Sei que a obra faz sentido do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista ecológico talvez não seja uma boa ideia”, declarou ele.
Os povos indígenas do Xingu se queixam de não terem sido chamados a debater Belo Monte com o governo. O Brasil assinou a Convenção 69 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), comprometendo-se a obter o consentimento prévio dos indígenas antes de tomar medidas que os afetem.
Segundo especialistas, a construção de Belo Monte fará com que 3/4 da região, conhecida como Volta Grande do Xingu, sofram drástica escassez hídrica, perda de biodiversidade (que, ali, é uma das maiores do mundo), e efeitos sobre a população local, devido à redução do lençol freático, dos níveis de água e da vazão daquele trecho do rio.
Imagens de satélite identificam Volta Grande: o Rio Xingu corre para o norte, em direção ao Amazonas e, súbito, faz uma volta de quase 200km, dando a impressão de retornar ao sul. Em seguida, retoma o rumo do norte, quase a fechar um anel completo. É um dos mais belos traçados fluviais do planeta.
Prevê-se a construção, na Volta Grande do Xingu, de três barragens de concreto, vários canais e cinco represas, alagando áreas que abrigam, hoje, agricultura, pecuária e inúmeros igarapés que abastecem a população local. Pretende-se escavar ali o mesmo volume de terra retirado para a construção do Canal do Panamá.
Especialistas apontam que a obra é tecnicamente inviável, pois a potência instalada prevista, de 11.233MW, só estará disponível durante três ou quatro meses do ano. O ganho de energia firme, de apenas 4.462MW (1/3 do total), inviabiliza financeiramente o projeto.
Se ele for realizado, mais de 25 mil habitantes de Altamira, Transamazônica e das barrancas do Xingu serão obrigados a se mudar, condenados a uma pobreza ainda maior.
O contribuinte brasileiro é quem pagará, por meio de financiamentos do BNDES e da participação de estatais, boa parte dos custos dessa empreitada de efeitos devastadores. Empresas como Chesf, Eletronorte, Furnas e Eletrosul poderão entrar juntas ou isoladamente no leilão para a construção de Belo Monte. Assim, o contribuinte irá financiar o lucro imediato de empreiteiras, e o lucro a longo prazo das empresas mineradoras que atuam na Amazônia, as grandes beneficiárias de Belo Monte. De quebra, a nação brasileira arcará com os custos ambientais.
Lula concedeu, este ano, duas audiências ao bispo do Xingu, dom Erwin Kräutler, a quem prometeu que Belo Monte “não será imposta goela abaixo”. Em carta ao presidente, o bispo frisou que, a ser construída apenas a usina Belo Monte, é um despropósito técnico assegurar a potência prevista no projeto. A potência almejada pelos técnicos da Eletrobrás só será alcançada se forem construídas outras três usinas rio acima (Altamira, Pombal e São Félix). Nesse caso, os grandes reservatórios atingirão outros territórios indígenas demarcados e homologados, e áreas de conservação ambiental. Quem vive da pesca e da agricultura familiar perderá a base de sua subsistência.
A população a ser atingida está sendo subestimada, e as empresas e o BNDES não sabem quanto irão desembolsar para amenizar o impacto social. Ora, quem já viu uma empresa dessas deixar-se guiar por um espírito altruísta, solidarizando-se com os pobres e, em seguida, esmerando-se na promoção de obras para mitigar a miséria das famílias atingidas?
A região de Volta Grande do Xingu ficará praticamente seca com a construção da usina. A exemplo do que aconteceu com a cachoeira de Sete Quedas na construção da usina de Itaipu, também Belo Monte modificará 100km de uma sucessão de cachoeiras, corredeiras e canais naturais.
A obra atrairá intenso fluxo migratório no rumo de Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo, Anapu e Senador José Porfírio. Esses municípios não dispõem da infraestrutura necessária nem contam com escolas e hospitais suficientes para atender a tanta gente.
O projeto promete assegurar qualidade de vida apenas para quem trabalhar nas obras de construção da usina. A população restante, cinco vezes maior, ficará na miséria, exposta à criminalidade e agredida pelos antros de narcotráfico e prostituição.
A tarifa de energia elétrica ficará extremamente alta. Pior será obrigar o Tesouro Nacional a subsidiar a energia gerada. Nesse caso, serão penalizados mais uma vez a cidadã e o cidadão brasileiros.
FREI BETTO é escritor.
O artigo foi publicado pelo jornal Correio Braziliense de 18 de dezembro passado.
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