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12 de dezembro de 2009

ENCHENTES PAULISTAS EM DEBATE


Passo ao conhecimento dos amigos a troca de artigos hoje publicada pela Folha de São Paulo.
Tenho absoluta confiança que uma participação mais incisiva de nossas entidades técnico-científicas do setor (ABMS, ABGE, ABES, ABRH, IAB, IE, AGB e outras) poderá se constituir no elemento propiciador de um salto de qualidade nos atuais programas de combate às enchentes urbanas.
Abraços,
Álvaro
TENDÊNCIAS/DEBATES 12.12.2009

A cidade de São Paulo se prepara de forma adequada para combater as enchentes?

SIM

Ações de longo e curto prazos

MIGUEL BUCALEM

É MUITO difícil fazer uma análise equilibrada do problema das enchentes na cidade de São Paulo em pleno calor dos acontecimentos da última terça, quando a população experimentou enormes transtornos.

Mas é nesses casos de grande quantidade de chuvas que alguns questionamentos são naturais e recorrentes: Como chegamos a essa situação? Estamos fazendo o melhor possível? Estamos fadados a conviver com essas enchentes ano após ano?
Durante décadas, o processo acelerado e frequentemente desordenado de urbanização impermeabilizou grande parte da superfície da cidade.

A luta pela ocupação do espaço urbano não respeitou os elementos naturais, lançando mão de muitas das várzeas de rios e córregos. Isso resultou em uma situação extremamente adversa para a drenagem e para a retenção das águas de chuva.

Felizmente, já faz alguns anos que o governo do Estado e a Prefeitura de São Paulo estão comprometidos com o desenvolvimento urbano sustentável, traduzido, nessa área específica, em um conjunto articulado de ações para melhorar as condições de drenagem no curto, médio e longo prazos.

A região metropolitana de São Paulo está inserida na bacia hidrográfica do Alto Tietê. É para esse rio que as águas de chuva se dirigem. De forma simplista, há duas estratégias complementares para melhorar o desempenho da drenagem na cidade e evitar que seu principal rio seja sobrecarregado. A primeira é aumentar a vazão do Tietê, e a segunda é retardar a chegada das águas de chuva ao rio.

As obras de aprofundamento da calha do rio Tietê, realizadas pelo governo do Estado a partir da década de 90, responderam à primeira estratégia e exigem constantes investimentos de manutenção e desassoreamento.

A segunda estratégia pode ser implementada pelo aumento da superfície permeável ou pela criação de reservatórios de retenção, os chamados piscinões. O aumento da área permeável é uma abordagem contínua e de longo prazo, que exige planejamento urbano e previsões específicas nas leis de uso e ocupação do solo.

Essa legislação, depois da última revisão, passou a exigir uma proporção maior de áreas permeáveis para novas edificações. As operações urbanas, principalmente nas áreas de várzea, passaram a ter o dever de aproveitar seu potencial transformador para criação de novas áreas permeáveis e para renaturalizar córregos.

O município de São Paulo tem um ambicioso programa para elevar o número de parques de 33, existentes em 2005, para cem em 2012. Isso aumenta a área de cerca de 15 milhões de m2 para 50 milhões de m2, e vários desses parques são lineares, ou seja, devolvem aos córregos e rios suas várzeas, além de criar áreas de lazer.

O governo do Estado, por sua vez, implantará nas várzeas do rio Tietê o maior parque linear do mundo, com 75 km de extensão, com investimento previsto de R$ 1,7 bilhão.

O governo do Estado está investindo, entre 2007 e 2010, R$ 755,34 milhões em obras de combate a enchentes do Plano Diretor de Macrodrenagem do Alto Tietê, tendo concluído 45 piscinões em 11 anos. E o município tem realizado investimentos importantes em várias sub-bacias, como na do Pirajussara e do Aricanduva.

Outras ações de prevenção ligadas a microdrenagem, a zeladoria e a abordagem de situações de emergência têm sido realizadas. Por exemplo, desde 2005 foram 3,6 milhões de ações de limpeza de boca de lobo na capital. A prefeitura vem aumentando os recursos para drenagem e investirá neste ano R$ 309 milhões -em 2004, foram R$ 75 milhões.

Por fim, sem prejuízo das obras de infraestrutura em drenagem que são necessárias, a estratégia de longo prazo que parece ser a mais promissora e que já vem sendo implementada é atuar sobre a cidade que está em construção e aquela a ser reconstruída, de forma a reverter progressivamente sua impermeabilização.

Essa deve ser uma abordagem integrada e multissetorial, na qual a implantação de novas áreas verdes permeáveis, parques lineares, arborização, uso de pisos drenantes, entre outras, façam parte do processo de requalificação urbanística. Dessa forma, ganhará a cidade não somente do ponto de vista da drenagem mas também na melhoria da qualidade ambiental e de seus espaços urbanos.

MIGUEL BUCALEM , doutor em engenharia pelo Massachusetts Institute of Technology (EUA) e professor titular da Escola Politécnica da USP, é secretário municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo.
TENDÊNCIAS/DEBATES 12.12.2009

A cidade de São Paulo se prepara de forma adequada para combater as enchentes?

NÃO

Das causas às soluções

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS

PARA COMBATER exitosamente um problema é preciso conhecer e eliminar suas causas. No caso das enchentes metropolitanas, os sucessivos governos -Estado e municípios- têm desconsiderado totalmente esse preceito metodológico básico e concentrado ações e atenções na busca de uma solução hidráulica simplista que, como panaceia tecnológica, os aliviasse do pesado ônus político de responder pelas calamidades públicas associadas ao problema.

Há décadas têm sido priorizados, quase com exclusividade, os dispendiosos serviços de ampliação e manutenção das calhas dos principais rios metropolitanos e, mais recentemente, a instalação dos deletérios piscinões, verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais.
A realidade tem sido madrasta dessa lógica limitada e mostrado claramente que as obras hidráulicas estruturais, ainda que indispensáveis, são insuficientes para reduzir drasticamente a quantidade e a intensidade das enchentes na região.
As causas principais de nossas enchentes estão associadas a alguns fatores perfeitamente identificáveis.

Primeiro, há que considerar as características geológicas e hidrológicas naturais da região da bacia do Alto Tietê. Nas condições naturais, os rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e outros eram sinuosos e com baixíssima declividade, revelando que a região, antes do homem branco por aqui chegar, já demonstrava grande dificuldade em escoar suas águas superficiais.

Não reconhecendo e não levando em conta essas características naturais, a metrópole desenvolveu-se sob a cultura da impermeabilização e da canalização e retificação de seus cursos d'água, reduzindo enormemente a capacidade original da região de infiltrar e reter as águas das chuvas.

Como decorrência, volumes crescentemente maiores de água em tempos menores são escoados para drenagens naturais e construídas, incapazes de lhes dar vazão.
Agravando esse quadro, vêm sendo progressivamente ocupados os terrenos mais periféricos, de relevo mais acidentado e com solos extremamente mais vulneráveis à erosão.

Opta-se, nessas condições topográficas, por produzir artificialmente, por meio de operações de terraplanagem, áreas planas e suaves para assentar as novas edificações, implicando exposições cada vez maiores e mais prolongadas dos solos aos processos erosivos.

Como resultado direto, na região metropolitana de São Paulo, são produzidos anualmente por erosão cerca 3,5 milhões de m3 de sedimentos silto-arenosos, cujo destino inexorável é o assoreamento fantástico de toda a rede metropolitana de drenagem, reduzindo, com o entulho de construção civil e o lixo urbano lançados irregularmente, ainda mais sua já sobrecarregada capacidade de vazão.
Uma observação preocupante e que revela a pouca abrangência da atual estratégia de combate às enchentes: a metrópole continua a crescer cometendo os mesmos trágicos e elementares erros que estão na origem de todos esses problemas.

Se levar corretamente em conta esse diagnóstico, condição indispensável para o êxito no combate às enchentes, a administração pública deverá complementar seu programa com um audacioso grupo de ações que incidam diretamente sobre as causas maiores das enchentes.

Planejar e colocar regras claras e rígidas para o crescimento urbano. Aumentar a capacidade de retenção de águas de chuva por infiltração e reservação com expedientes técnicos de desimpermeabilização da área urbanizada e instalação de reservatórios empresariais e domiciliares.

Concomitantemente, reduzir drasticamente os intensos processos erosivos que incidem sobre todas as frentes de expansão urbana da metrópole, hoje palco de um verdadeiro desastre geológico, assim como o lançamento irregular do entulho de construção civil e do lixo urbano.

Algumas ações pontuais da prefeitura -como a conservação das várzeas do Tietê a montante da barragem da Penha e a implantação de parques lineares- são auspiciosas, mas extremamente limitadas dada a dimensão da bacia do Alto Tietê, com 6 mil km2 e mais de 30 municípios.




ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS , geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da Divisão de Geologia. É autor, entre outras obras, de "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática".


O GEÓLOGO ÁLVARO (IPT/USP) É COLABORADOR E NOSSO CONSULTOR VOLUNTÁRIO.

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