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24 de janeiro de 2012

INTIMIDAÇÃO DE AGRICULTORES E PESCADORES EM SÃO JOÃO DA BARRA (RJ)

Empresário Eike Batista que está implantando o Porto do  Açu  (RJ)
Agricultores e pescadores sofrem intimidação e violência no Complexo Industrial Portuário do Açu

Agricultores e pescadores sofrem intimidação e violência no Complexo Industrial Portuário do Açu
1. Está em andamento, no município de São João da Barra, norte do estado do Rio de Janeiro, a construção do Porto do Açu, empreendimento logístico da empresa LLX, pertencente ao Grupo EBX, de Eike Batista. Trata-se do maior investimento em infraestrutura portuária das Américas, cuja construção teve início em outubro de 2007, com previsão de início de suas operações no primeiro semestre de 2012. O Porto do Açu integra o Complexo Industrial Portuário do Açu, empreendimento concebido como um condomínio industrial composto por indústrias siderúrgicas, unidades petroquímicas, cimenteiras, montadoras de automóveis, usinas termoelétrica, além de um minerioduto de 525 Km ligando a mina de ferro do grupo MMX no município de Alvorada, MG, ao Complexo Industrial.

2. A instalação do Complexo Industrial Porto do Açu provocará impactos diretos em 32 municípios de MG e RJ, porém, seguramente, os mais impactados serão os municípios de Campos dos Goytacazes e São João da Barra, que também abrigarão as operações industriais e portuárias, bem como outras obras de infraestrutura diretamente ligadas ao Complexo.
3. A construção do píer que ligará o terminal de cargas ao continente já vem impactando a pesca, uma das principais atividades econômicas da população local. Agricultores familiares, ameaçados com a iminente expropriação de suas terras, já foram afetados pela interrupção de suas práticas locais de produção e subsistência. Há previsão também de impactos sobre o modo de vida e economia local como o rompimento de relações de vizinhança e comunitária existentes; desestruturação de relações simbólicas da população com o lugar; bem como a desestabilização da estrutura agrária local pela mudança dos padrões de apropriação da terra.
4. Estão sendo afetados diretamente agricultores familiares, posseiros, pescadores artesanais, trabalhadores assalariados, pequenos comerciantes e outros mais que se reproduzem de maneira associada ao ambiente físico, tradicionalmente vivendo de práticas e costumes tipicamente da agricultura familiar, com pequenos roçados de quiabo, maxixe, banana, aipim, cana, abacaxi e pequenas criações de cabra, bovinos, suínos e aves.
5. As práticas agrícolas familiares na região se mostram de significativa importância para reprodução social dos agricultores e pescadores artesanais. Em 2009, foram 4.600.000 frutos de abacaxi, milhares de toneladas de cana, centenas de toneladas de batata-doce, mandioca, maxixe, quiabo, melão, goiaba, tomate, dezenas de toneladas de banana, 1.600 mil frutos de coco da baía, o que torna o Município de São João da Barra o maior produtor de maxixe e quiabo e o 2º maior produtor de abacaxi do estado do Rio de Janeiro (Pesquisa Agrícola Municipal do IBGE de 2009).
6. Estima-se que o Decreto estadual nº estadual 41.915/2009, que desapropria, através da Companhia de Desenvolvimento Industrial do estado do Rio de Janeiro (CODIN), área de 7.200 hectares para dar espaço ao condomínio industrial previsto no projeto, desalojará 1.500 famílias de pescadores e de pequenos agricultores.
7. Associa-se à provável desestruturação total dos modos de viver e produzir da população atingida pela construção do Complexo as arbitrariedades que vem sendo cometidas pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do estado (CODIN) e pelo Grupo EBX na condução das negociações de compra e venda e/ou desapropriações dos imóveis que encontram-se dentro da área destinada ao empreendimento industrial e imobiliário que, supostamente, atrairá diversos investimentos nacionais e estrangeiros.
8. Agricultores e pescadores do município, bem como associação de moradores e entidades de defesa dos direitos humanos já manifestaram publicamente as arbitrariedades e injustiças que vem sendo cometidas na condução das negociações com as famílias. No caso das áreas que estão sendo desapropriadas pela CODIN, os problemas envolvem a forma de notificação, erros de vistoria, subavaliação e assédio moral. A Associação dos Produtores Rurais e Imóveis (ASPRIM), que reúne proprietários e possuidores do 5º Distrito de São João da Barra, relata que famílias têm sido intimidadas por agentes de segurança privada, contratados pela LLX e por integrantes do 8° Batalhão da Polícia Militar de Campos, que rondam seus imóveis a cavalo e de carro a qualquer hora do dia ou da noite sem qualquer propósito justificado.
9. Possivelmente com o objetivo de forçar a venda dos imóveis em questão e evitar os demorados processos de desapropriação, a empresa LLX tem assumido uma postura ameaçadora em relação aos pequenos agricultores, em especial àqueles cujas propriedades encontram-se no 5º Distrito de São João. Pessoas que apresentam-se como “funcionários da empresa” exigem que os agricultores saiam de seus sítios, alegando que eles “já perderam suas terras”, que “as terras são da empresa”, invadem as propriedades e fincam placas com os seguintes dizeres: “DISTRITO INDUSTRIAL DE SÃO JOÃO DA BARRA. FUTURAS INSTALAÇÕES DE SIDERÚRGICA”
10. Mais graves são os relatos de ações criminosas supostamente praticadas por funcionários da LLX e por policiais militares, como o caso de agricultores que, em operações de despejos, tiveram suas terras, casas e lavouras invadidas e destruídas em pleno final de semana, durante a noite ou no meio da madrugada.
11. Há o relato de apreensão e recolhimento num “caminhão baú” de todos os pertences de um imóvel situado na propriedade denominada “Salgado” durante período de ausência do proprietário e de seus filhos e netos.
12. E gravíssimas ainda são as denúncias de remoções sem o prévio pagamento da indenização expropriatória, num total desrespeito à Constituição Federal.
13. No mais, sem qualquer programa de readaptação, diversas famílias que optaram pela aquisição de novas residências, foram removidas para os imóveis prometidos antes mesmo da sua conclusão, bem como deixaram de plantar em suas terras antes de terem os novos lotes entregues. Algumas delas, posteriormente removidas para o suposto projeto de reassentamento denominado “Vila da Terra”, até hoje não receberam o valor da indenização.
14. Diante das arbitrariedades das ações supostamente provocadas pela empresa LLX, e possivelmente legitimadas pelo governo do estado do Rio de Janeiro, é evidente que a integridade física e moral dos pequenos agricultores e pescadores de São João da Barra encontram-se ameaçadas. Cabe ressaltar que tais proprietários moram e trabalham em localidades rurais isoladas, situação que os deixa mais vulneráveis às pressões de todos os tipos as quais estão sendo submetidos. A propósito, destaca-se a frágil e insuficiente assessoria jurídica prestada às famílias atingidas.
15. Tratamos aqui da vida de centenas de famílias que têm suas raízes fincadas naquelas terras há gerações, que resistiram por décadas às adversidades do campo brasileiro e protagonizaram toda uma história de vida nas areias fertilizadas por elas mesmas pelo seu trabalho. A forte relação e dependência dessas pessoas com os recursos naturais disponíveis no ambiente, sem os quais não há condições de permanência e de vida em comunidade, sinaliza evidências concretas de pertencimento e apropriação, sobretudo para os agricultores, que mantém toda uma história de relações com o lugar, a memória vivida e sentimentos afetivos e morais com suas terras.
16. Para a efetivação do mega empreendimento, a questão central concentrou-se na materialidade da terra, reduzindo os conflitos à discussão acerca de títulos de propriedades e valores monetários dos imóveis. Assim, tenta-se ocultar uma dimensão incomensurável da existência humana, que não pode ser contabilizada por um valor numérico, pois impossível de ser mensurada, que é a dignidade humana.
Dignidade reconhecida e defendida por homens, mulheres e crianças que, demonstrando sua indignação diante dos abusos e das injustiças que estão acontecendo na região, expressaram sua resistência, impedindo que os carros da “firma” passassem, declarando em um ato de protesto:
“Nem todos aqui têm preço, a nossa história não pode ser apagada e nem comprada. Não tem dinheiro que pague nossa terra e nossa dignidade. Sair daqui é perder a identidade. Como é possível alguém viver sem identidade?”
17. Não à toa que agricultores e agricultoras, fragilizados pela instabilidade socioeconômica na qual se encontram, vêm apresentando sinais evidentes de intenso abalo emocional, traduzido por episódios de patologias como depressão, stress, pressão alta e complicações cardiovasculares.
18. Estamos tratando da existência, entendida em todas as suas dimensões, de 1.500 famílias compostas de pais, mães, avós, avôs, bem como filhos e filhas, atingidas pelo constrangimento das intimidações, pelo medo constante da possibilidade de verem suas casas derrubadas a qualquer hora e pela ameaça da perda das suas referências afetivas, sociais e culturais.
Assim, entidades e instituições como a Diocese de Campos, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), - Universidade Federal Fluminense (UFF), Sindicato dos Professores (SEPE), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA/ES), Centro Popular de Direitos Humanos de Campos, Comitê de Erradicação do Trabalho Escravo e Degradante no Norte Fluminense, Grupo Fé e Cidadania de Campos, Rede Fé e Política do RJ estão mobilizadas na defesa dos pequenos agricultores e pescadores de São João da Barra e convidam a todos para a CAMINHADA DA TERRA.

(Ecodebate, 19/01/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
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