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30 de maio de 2011

Deputados votam contra as futuras gerações - Francisco Roberto Caporal


Se você tem filhos pequenos ou adolescentes, se tem netos ou se ainda vai ter netos, saiba: os deputados federais acabam de decretar mais uma desgraça para eles. Acabam de votar CONTRA as futuras gerações.

A votação do Código Florestal, ontem à noite, na Câmara de Deputados, foi um ato contra o país e contra a maioria da sociedade. Esta votação foi a expressão mais profunda e triste da soma de ignorância, falta de visão de futuro com a defesa de interesses mesquinhos de uma minoria da população brasileira representada pela chamada “bancada ruralista” e pelo agronegócio.

A aprovação, por 410 votos contra 63, do texto elaborado pelo deputado Aldo Rebelo, do PCdoB, que atende aos interesses dos grandes produtores e dos latifundiários deste país, foi seguida da aprovação de uma emenda ainda mais absurda. Por 273 x 182 os “nobres” deputados e as deputadas escancararam as portas para mais descalabros ambientais, já que consolida as atividades hoje realizadas nas APPS – Áreas de Preservação Permanente. Ademais, inclui os estados no processo de regularização ambiental e, pior, mantém a anistia para todos que causaram desmatamentos até julho de 2008. A inclusão dos estados, foi uma decisão que chega a ser digna de risos. Quem sabe, suas excelências - que é o modo como eles se tratam em plenário, massageando seus egos – não conhecem seus próprios estados e as frágeis estruturas institucionais ligadas às questões ambientais, absolutamente sucateadas e/ou insuficientes na grande maioria dos 27 estados brasileiros, senão em todos, além de outros interesses nem sempre favoráveis ao meio ambiente que hoje em dia já são evidenciados em muitos lugares da nossa geografia.

Assisti pela televisão, estarrecido, ao debate de baixa qualidade que precedeu as votações. Argumentos estapafúrdios, sem lógica e sem nenhum rigor científico desfilavam de boca em boca. Da base do governo aos oposicionistas (se é que esta divisão ainda existe). Um festival de falta de vergonha na cara, recheado de hipocrisia e defesa aberta de interesses alheios à vontade da maioria dos eleitores. Sequer as recomendações da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da Academia Brasileira de Ciências ou do Ministério Público Federal, foram observadas. Que dizer, então, das centenas de manifestações da sociedade civil organizada, ONGs, OCIPS, entidades da agricultura familiar e entidades científicas, entre elas a Associação Brasileira de Agroecologia. Nada disso serviu para a reflexão de suas excelências, que passaram olimpicamente das preocupações dos eleitores.

O Código aprovado por suas excelências, elimina a necessidade ambiental de manutenção da reserva legal em propriedades que tenham até 4 módulos fiscais (entre 20 e 400 hectares). O pior de tudo, é que, se mantidas com estão, as regras terão impactos futuros negativamente imprevisíveis. A redução (e a não recuperação) de áreas de florestas, vai repercutir na destruição definitiva de parte importante de nossa biodiversidade e, em muitos lugares, vai impactar as culturas e conhecimentos locais associados a ela. Ao mesmo tempo, ficando o Código como está, poderemos acelerar os já graves problemas de disponibilidade de água doce, além, é claro, de ampliarmos a contribuição brasileira para o aquecimento global e o cambio climático. Outra demonstração de falta de rigor científico é a parte do texto que permite compensar o desmatamento hoje registrado nas propriedades por reflorestamentos em outros biomas. Ora, suas excelências deveriam saber que os biomas são exatamente um recorte do meio ambiente com base, entre outras coisas, nas suas condições ecológicas diferenciadas. Recompor floresta em outro bioma, não recupera a biodiversidade perdida no bioma impactado e sequer as relações ecológicas necessárias e indispensáveis para a sustentabilidade, de modo que, como está o Código, vamos decretar definitivamente a perda de vida nos biomas que mais interessem ao capital, para seus processos produtivos baseados na monocultura e nos uso intensivo de agroquímicos.

Não bastasse, o que a câmara de deputados aprovou ontem mostra que manter a participação da produção agropecuária no PIB e assegurar a continuidade das exportações de commodities, é mais importante do que preservar os serviços ambientais ofertados pelas florestas. Não sei como os deputados e o governo, pensam em substituir os serviços ambientais que estão eliminando e que só as florestas nos podem garantir: “como a produção de água, a regulação dos ciclos das chuvas e dos recursos hídricos, a proteção da biodiversidade, a polinização, a reprodução de muitas espécies, o equilíbrio das cadeias tróficas, o controle do assoreamento dos rios e barragens e o equilíbrio do clima” – que são alguns dos sustentáculos básicos da vida neste planeta. Por certo não será com suas capacidades criativas e inventivas. Sequer com suas pesquisas científicas.

Ontem, assistimos a uma triste votação, contra as futuras gerações. Os resultados estarão presentes logo, mas os maiores impactos serão sentidos pelos nossos filhos e netos. Por isto, anote o voto do deputado federal em quem você confiou nas últimas eleições, para não esquecer nas próximas. E cuidado! Se ele está entre os 410 ou entre os 273, não esqueça de lembrá-lo agora ou no futuro, que sustentabilidade depende de uma solidariedade sincrônica (entre as atuais gerações) e diacrônica (das atuais para com as futuras gerações), logo, quem votou a favor está negando não só a solidariedade, mas as possibilidades de um futuro mais sustentável e, portanto, a qualidade de vida dos que estarão aqui, nesta terra, daqui a algum tempo.

Não estou entre os que acham que o governo teve uma derrota. A posição do governo (lembrem-se que Aldo Rebelo era ou é da base, já nem sei) foi sempre ambígua, medrosa. Temente aos interesses do agronegócio, como o diabo tem medo da cruz. Este temor desmesurado é a mesma razão pela qual os governos não levam a votação os índices de produtividade da terra, que poderia ser um bom caminho para substituir a concentração da terra, a erosão ambiental e a exclusão social por uma reforma agrária profunda e sustentável.

Esta votação foi, na verdade, uma derrota não do governo, mas da sociedade, dos ambientalistas e de todos os que buscaram racionalidade científica na orientação do encaminhamento desta questão. Uma pena, o que aconteceu. Mas ainda há a esperança na votação que ocorrerá no senado. Se é que naquela casa ainda resta um pouco de lucidez quanto à questão ambiental. Não vamos desistir da luta, pois dela dependem as futuras gerações. Vamos conclamar a todos os cidadãos e cidadãs de bom senso, para que somem forças e pressionem os senadores e o governo federal no sentido de que suas posições se desatrelem dos interesses da minoria e passem a representar o interesse geral da nação.




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* O Autor é Engenheiro Agrônomo. Doutor em Agroecologia pelo Instituto de Sociología y Estudios Campesinos da Universidade de Cordoba-ES; Professor da UFRPE e Presidente da Associação Brasileira de Agroecologia.
P.S.: Dedico este texto a Laila e Leonardo. Cam
aragibe, 25 de maio de 2011.

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