Vista aérea de Boa Vista (RR) e do Rio Branco
(Foto: SallesNeto@RR)
O Caxangá no caixão
Jaime Brasil Filho *
* Defensor Público
É de causar espanto. O poder público não orienta a população como deveria, não fiscaliza como deveria e quando os problemas se instalam, em vez de reverter o problema causado, acabam coroando o problema, dando-lhe o “diploma” de fato consumado, criando novos problemas.
Na audiência pública que ocorreu quando do licenciamento do projeto das acácias mangium, que hoje infestam o lavrado, vários ambientalistas avisavam sobre a falta de estudos prévios, da ameaça em potencial ao lençol freático, da possibilidade de dispersão sem controle da espécie. Pois bem, hoje elas são um enorme prejuízo ao ecossistema do lavrado. As plantações de acácia estão praticamente abandonadas, algumas foram consumidas pelo fogo, em quase todas há contaminação por fungos que matam as plantas, formando um imenso cemitério de árvores. Quem pagará por isso? Quem demandará a empresa responsável? Alguma autoridade tomará as providências para recuperar o nosso patrimônio natural? Quantos continuarão fingindo que está tudo certo?
Em Boa Vista o improviso toma o lugar do planejamento, os bairros nascem de invasões que ocorrem em áreas inadequadas para a ocupação humana. O bairro São Bento está em cima de um antigo lixão, e ao lado da lagoa de estabilização dos esgotos de Boa Vista. Isso é um escândalo, um perigo para as pessoas que lá residem. Mas as autoridades tratam o caso como fato consumado. E quando as graves doenças começarem a aparecer? Certamente será a nossa “ótima” saúde pública que remediará a omissão das autoridades?
Toda e qualquer cidade que queira ter boa qualidade de vida deve pensar em um bom transporte coletivo público. O nosso trânsito já começa a se complicar com o aumento progressivo do número de veículos, o que antes era tranqüilidade hoje estressa, a conseqüência é a grande quantidade de acidentes. E o que fizeram as autoridades ao longo dos anos? Estimularam um modelo insustentável de transporte: o chamado taxi-lotação.
Com todo o respeito aos trabalhadores do setor, não é possível que tenhamos um transporte coletivo digno e eficiente mantendo carros de passeio como meios de transporte público. Os governos deveriam ter coragem para repensar esse modelo. É possível, inclusive, encontrar uma solução econômica para as centenas de famílias que dependem do táxi-lotação para sobreviver. Mas, não, dá-se a situação como irreversível e tudo tende a se agravar.
As grandes metrópoles possuem instrumentos de alta tecnologia que medem a qualidade do ar, da água etc. Esses indicadores ambientais são úteis para que a população conheça os riscos que corre e em que meio vive. Se tivéssemos que escolher um instrumento para medir a saúde ambiental de Boa Vista, esse “termômetro” seria a saúde dos nossos igarapés.
A falta de fiscalização fez com que inúmeros igarapés e lagoas da nossa Capital tivessem suas margens ocupadas e destruídas e suas águas poluídas. Há estudos científicos que mostram a degradação paulatina que vem sofrendo os nossos cursos de água. Todos apontam inúmeros problemas causados pela ocupação urbana, mas não há dúvida que ainda há como recuperar os igarapés e lagoas da nossa cidade. Mas em vez de buscarem renaturalizar, ou seja, recuperar o ambiente degradado, qual foi a solução encontrada por nossas autoridades?
Destruir o pouco de biodiversidade que ainda existe, inviabilizar qualquer melhoria na qualidade das águas, colocar cimento, canalizar, desmatar as espécies de árvores silvestres e substituí-las com espécies exóticas, afetando os mananciais, os micro climas, chegando mesmo a atingir a qualidade das águas do Rio Branco, essa grande artéria que nos une em uma mesma terra: Roraima. Pois Roraima nada mais é do que o vale do Rio Branco.
O igarapé Mirandinha teve alguma sorte, contou com a valiosa mobilização popular que contestou algo simples e correto: porque não usar os recursos disponíveis para renaturalizar o Mirandinha, em vez de “urbanizá-lo” como se fosse uma calha de cimento em uma laje? Porque não transformar os nossos igarapés recuperados em áreas de lazer e parques para visitação? Enquanto as cidades mais progressistas buscam reflorestar e recuperar, em Boa Vista a visão dos políticos é inviabilizar a qualidade de vida, e a própria vida.
A próxima vítima é o igarapé Caxangá. Querem fazer com ele o mesmo que tentaram com o Mirandinha. É a mesma perversa lógica, o mesmo tipo de projeto, os mesmos administradores. Seria a mesma rubrica orçamentária? Seriam as mesmas empreiteiras?
Quem irá se comover com a morte do Caxangá? Quem irá resistir para que a irracionalidade não prevaleça? O que é melhor: uma grande fossa ou uma lagoa? Um igarapé com peixes ou um canal estéril e poluente? Quem quer trocar um buritizeiro por uma calçada de cimento?
Se os igarapés de Boa Vista representam o nosso termômetro ambiental, vamos mal, muito mal. A degradação dos nossos igarapés é fato que pode ser revertido, mas aparentemente as nossas autoridades insistem em apressar a morte deles, já compraram até o cimento para a sepultura. Fonte: Folha da Boa Vista/Manchetes Socioambientais ISA
* Defensor Público
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