Procuradores têm encontro com agricultores e ribeirinhos do Xingu afetados por Belo Monte
Famílias relataram ao MPF que técnicos da Norte Energia S/A estão ingressando nas
propriedades mesmo sem autorização. Investigação está sendo conduzida em Altamira.
Os procuradores da República Felício Pontes Jr., de Belém, e Cláudio
Terre do Amaral, de Altamira, se reuniram na sexta-feira (24/09) com
agricultores e com a população ribeirinha da volta grande, local em que
um trecho de 100 quilômetros do rio Xingu deve secar com a construção da
hidrelétrica de Belo Monte.
Já o ponto onde ocorreu a reunião, também na chamada volta grande,
deverá ficar submerso por conta do lago que se formará caso a usina seja
construída. Os próprios moradores solicitaram a audiência com os
procuradores.
Pontes Jr. e Amaral se reuniram com representantes das cerca de 12 mil
famílias que vivem na região, no município de Vitória do Xingu,
sobrevivendo da pesca e da agricultura familiar e que ainda não sabem o
que acontecerá com suas terras e propriedades se a usina for mesmo
construída.
“Ainda falta muito para que a usina se torne uma realidade, mas estamos
preocupados com o fato dessas famílias não terem recebido informações
concretas sobre o empreendimento”, explica o procurador Felício Pontes
Jr.
Os moradores fizeram uma denúncia que vai ser investigada a
partir de agora pelo MPF: de que técnicos da Norte Energia S/A estariam
entrando nas propriedades de alguns moradores mesmo sem autorização.
Os agricultores também reclamaram da situação dos travessões da rodovia
Transamazônica e das dificuldades em manter as crianças na escola:
grandes distâncias, falta de merenda e sistema de transporte
inexistente.
“O MPF vai cobrar da prefeitura de Vitória do Xingu a
solução para a questão da trafegabilidade nos travessões bem como o
problema da escola das crianças, já que existem repasses do Fundeb ao
município para que eles não passem por essas dificuldades. A educação é
direito de todos”, explicou o procurador Cláudio Terre do Amaral.
Outra queixa dos moradores é, justamente, a falta de energia elétrica,
apesar da região da volta grande ficar distante apenas cerca de 300
quilômetros da usina de Tucuruí. A companhia distribuidora de energia
elétrica já informou aos agricultores e ribeirinhos que o programa Luz
para Todos não vai atingir os moradores dos travessões na parte que
deverá ser alagada caso a usina seja construída.
Entenda o dilema da volta grande
Cientistas de várias
universidades brasileiras, que acompanham o
licenciamento de Belo Monte,
já batizaram a questão de Dilema da
Volta Grande, tamanhas as
incertezas sobre a sobrevivência desse
trecho do rio e sobre a
capacidade de produção energética das barragens.
Para esses
pesquisadores e para o MPF, está na volta grande o principal nó da
viabilidade tanto ambiental quanto econômica da usina hidrelétrica.
A volta grande foi rebatizada pela Eletrobrás de Trecho de Vazão
Reduzida, porque pela proposta do empreendimento Belo Monte, a barragem
Pimental (a cerca de 10 quilômetros de Altamira), vai liberar quantidade
mínima de água para o rio enquanto o resto do volume será desviado para
as casas de força.
A ÁGUA DO XINGU É INSUFICIENTE
Pela proposta inicial da Eletrobrás, esse trecho seria irrigado com 4
mil metros cúbicos por segundo em um ano e 8 mil m3/s no seguinte,
sempre se alternando. Os técnicos do Ibama consideraram 4 mil m3/s uma
quantidade irrisória de água, que poderia comprometer a vida na região. E
acabaram por emitir a licença condicionada a um teste: durante seis
anos, serão liberados 8 mil m3/s e, ao fim desse período, os danos
ambientais serão reavaliados.
Para piorar o cenário para os moradores do Xingu, técnicos do MPF
demonstraram que nenhuma das duas fórmulas – nem a do Ibama, nem a da
Eletrobrás - condiz com a realidade. Eles analisaram o volume de água do
Xingu em uma série histórica de 1971 a 2006. Consideraram que as
turbinas só irão gerar energia se, por elas, passarem 14 mil m3/s de
água.
Somaram a esse volume os 8 mil m3/s exigidos pelo Ibama para chegar ao
volume de 22 mil m3/s, o necessário para conciliar energia e manutenção
da vida. O MPF descobriu que, nos 35 anos observados, em 70% do tempo o
rio não foi capaz de alcançar esse volume nem na época de maior cheia.
Para o MPF, o dilema é entre pagar um investimento de quase R$ 20
bilhões da sociedade brasileira – que vai financiar o empreendimento e
pode não ter energia gerada em quantidade suficiente – e manter a vida
na volta grande do Xingu.
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