O pescado em risco de existir apenas em foto
Por David Cronin, da IPS -
Bruxelas, Bélgica, 28/9/2010
A variada oferta de pescado nos supermercados da Europa pode dar a impressão de que o recurso é ilimitado. A realidade, no entanto, é menos agradável. Os barcos europeus devem viajar distâncias cada vez maiores para conseguir a mesma quantidade capturada, pois 88% do recurso está superexplorado.
A comissária de Pesca da União Europeia (UE), a grega Maria Damanaki (foto), apresentará, no ano que vem, uma proposta para reformar a Política Pesqueira Comum (PPC), que já tem quatro décadas. Damanaki disse que os pescadores serão obrigados a respeitar padrões mais altos em matéria de proteção ambiental quando operarem em águas da UE. Os acordos de pesca entre o bloco de 27 países e a África se concentrarão nas necessidades dos países pobres, afirmou.
IPS: Como deve ser gerido o pescado, como um recurso econômico ou como questão ambiental?
MARIA DAMANAKI: Nasci em uma ilha, Creta, onde era natural se alimentar com pescado. Quando cheguei a Bruxelas, me dei conta de que as pessoas queriam comer cada vez mais, mas a disponibilidade era cada vez menor. Minha prioridade agora é que o recurso dure e que meus filhos possam comer pescado, e não apenas vê-lo em fotografias. Ordenei à Comissão Europeia uma investigação para ter dados claros. Apenas seis espécies, das 136 para as quais temos políticas, estariam saudáveis em 2022, concluiu o estudo. Percebi que não tenho opção entre a questão ambiental e o aspecto financeiro. Se não mudarmos a política, não teremos peixes nem pescadores.
IPS: Acredita que os esforços para reformar a política de pesca possam ser freados pelos governos da UE?
MD: Temos que decidir juntos. Mas quando virem os dados, se darão conta de que não têm outra alternativa. Não estou certa de que tenha sucesso, mas temos que tentar. Seria muito fácil nada fazer.
IPS: Sabe-se que o atum azul está em risco. O assunto será discutido dentro de pouco tempo na Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (CICAA). O que pedirá a essa entidade?
MD: Temos que decidir o que vamos fazer. A CICAA proporá nova cota ou decretará uma proibição internacional sobre a pesca do atum azul? Vamos ver. Depende da assessoria científica que a Comissão Europeia receber em outubro. Uma coisa é certa. Faremos o melhor que pudermos. Não estamos certos de encontrar atum azul nos próximos dois ou três anos. Talvez dure cinco.
IPS: O acordo entre UE e Marrocos, que vencerá em 2011, permite aos barcos europeus pescar em águas territoriais do Saara Ocidental, ocupado por esse país desde 1975, se suas operações beneficiarem a população indígena. Há algum indício sobre o que obtiveram os saarianos?
MD: Quando assumi, já havia acordos desse tipo. Devo dizer que o contexto no qual foram assinados permitiu não incluir nenhum artigo em matéria de direitos humanos. Com a reforma da PPC, haverá cláusulas humanitárias nos tratados. No caso do acordo com o Marrocos, há um artigo que menciona a necessidade de proporcionar valor agregado à população local. Falei com autoridades marroquinas e disse que “isto é o que assinamos, digam-me o que está sendo oferecido a eles”. Responderam, mas não se mostraram muito dispostos a colaborar. Temos que decidir nos próximos meses o que vamos fazer. Se não renovarmos o protocolo, nossos barcos não poderão mais pescar. O que posso dizer é que não estou convencida do valor agregado que recebe a população local. E não estarei até que o governo do Marrocos me dê informação a respeito.
IPS: Também terá que ser decidido se os acordos com os outros Estados africanos serão renovados nos próximos anos. Ambientalistas e ativistas contra a pobreza afirmam que os tratados têm o objetivo de mais beneficiar uma quantidade relativamente pequena de pescadores europeus do que de ajudar a África. A senhora concorda com tal opinião?
MD: Decidi que não vou assinar novos acordos enquanto não tiver o novo protocolo que já mencionei. Até então, respeitarei o assinado por meu antecessor, Joe Borg, com a Mauritânia e outros países. Porém, tenho que ver se os beneficiários desses acordos são a população local. Tentarei garantir que o dinheiro que damos vá para essas pessoas. Com o novo contexto, a indústria pesqueira terá de pagar para ter acesso às águas jurisdicionais africanas e a Comissão Europeia cuidará dos benefícios para a população local. Não pagaremos mais para ter acesso ao recurso. A indústria terá de assumir o encargo por sua própria conta.
IPS: A senhora talvez seja a integrante mais de esquerda da Comissão Europeia. Preocupa-se com o fato de os governos direitistas da UE usarem a crise econômica na Grécia, e em outros países, como pretexto para levar adiante reduções na área da assistência social?
MD: A Grécia tem uma dívida muito grande que não podemos dizer que as reduções, inclusive aposentadorias, atentem contra o sistema de seguridade social. Temos de estar seguros de que nossa economia sobrevive ao caos. As medidas de austeridade devem ser combinadas com outras para impulsionar o crescimento, o emprego e a competitividade da economia europeia. Essa é a saída, não vejo outra. Tento buscar novas receitas, mas não existem. Não podemos ignorar a dívida, sejamos de esquerda ou direita. Envolverde/IPS
(IPS/Envolverde)
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A comissária de Pesca da União Europeia (UE), a grega Maria Damanaki (foto), apresentará, no ano que vem, uma proposta para reformar a Política Pesqueira Comum (PPC), que já tem quatro décadas. Damanaki disse que os pescadores serão obrigados a respeitar padrões mais altos em matéria de proteção ambiental quando operarem em águas da UE. Os acordos de pesca entre o bloco de 27 países e a África se concentrarão nas necessidades dos países pobres, afirmou.
IPS: Como deve ser gerido o pescado, como um recurso econômico ou como questão ambiental?
MARIA DAMANAKI: Nasci em uma ilha, Creta, onde era natural se alimentar com pescado. Quando cheguei a Bruxelas, me dei conta de que as pessoas queriam comer cada vez mais, mas a disponibilidade era cada vez menor. Minha prioridade agora é que o recurso dure e que meus filhos possam comer pescado, e não apenas vê-lo em fotografias. Ordenei à Comissão Europeia uma investigação para ter dados claros. Apenas seis espécies, das 136 para as quais temos políticas, estariam saudáveis em 2022, concluiu o estudo. Percebi que não tenho opção entre a questão ambiental e o aspecto financeiro. Se não mudarmos a política, não teremos peixes nem pescadores.
IPS: Acredita que os esforços para reformar a política de pesca possam ser freados pelos governos da UE?
MD: Temos que decidir juntos. Mas quando virem os dados, se darão conta de que não têm outra alternativa. Não estou certa de que tenha sucesso, mas temos que tentar. Seria muito fácil nada fazer.
IPS: Sabe-se que o atum azul está em risco. O assunto será discutido dentro de pouco tempo na Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (CICAA). O que pedirá a essa entidade?
MD: Temos que decidir o que vamos fazer. A CICAA proporá nova cota ou decretará uma proibição internacional sobre a pesca do atum azul? Vamos ver. Depende da assessoria científica que a Comissão Europeia receber em outubro. Uma coisa é certa. Faremos o melhor que pudermos. Não estamos certos de encontrar atum azul nos próximos dois ou três anos. Talvez dure cinco.
IPS: O acordo entre UE e Marrocos, que vencerá em 2011, permite aos barcos europeus pescar em águas territoriais do Saara Ocidental, ocupado por esse país desde 1975, se suas operações beneficiarem a população indígena. Há algum indício sobre o que obtiveram os saarianos?
MD: Quando assumi, já havia acordos desse tipo. Devo dizer que o contexto no qual foram assinados permitiu não incluir nenhum artigo em matéria de direitos humanos. Com a reforma da PPC, haverá cláusulas humanitárias nos tratados. No caso do acordo com o Marrocos, há um artigo que menciona a necessidade de proporcionar valor agregado à população local. Falei com autoridades marroquinas e disse que “isto é o que assinamos, digam-me o que está sendo oferecido a eles”. Responderam, mas não se mostraram muito dispostos a colaborar. Temos que decidir nos próximos meses o que vamos fazer. Se não renovarmos o protocolo, nossos barcos não poderão mais pescar. O que posso dizer é que não estou convencida do valor agregado que recebe a população local. E não estarei até que o governo do Marrocos me dê informação a respeito.
IPS: Também terá que ser decidido se os acordos com os outros Estados africanos serão renovados nos próximos anos. Ambientalistas e ativistas contra a pobreza afirmam que os tratados têm o objetivo de mais beneficiar uma quantidade relativamente pequena de pescadores europeus do que de ajudar a África. A senhora concorda com tal opinião?
MD: Decidi que não vou assinar novos acordos enquanto não tiver o novo protocolo que já mencionei. Até então, respeitarei o assinado por meu antecessor, Joe Borg, com a Mauritânia e outros países. Porém, tenho que ver se os beneficiários desses acordos são a população local. Tentarei garantir que o dinheiro que damos vá para essas pessoas. Com o novo contexto, a indústria pesqueira terá de pagar para ter acesso às águas jurisdicionais africanas e a Comissão Europeia cuidará dos benefícios para a população local. Não pagaremos mais para ter acesso ao recurso. A indústria terá de assumir o encargo por sua própria conta.
IPS: A senhora talvez seja a integrante mais de esquerda da Comissão Europeia. Preocupa-se com o fato de os governos direitistas da UE usarem a crise econômica na Grécia, e em outros países, como pretexto para levar adiante reduções na área da assistência social?
MD: A Grécia tem uma dívida muito grande que não podemos dizer que as reduções, inclusive aposentadorias, atentem contra o sistema de seguridade social. Temos de estar seguros de que nossa economia sobrevive ao caos. As medidas de austeridade devem ser combinadas com outras para impulsionar o crescimento, o emprego e a competitividade da economia europeia. Essa é a saída, não vejo outra. Tento buscar novas receitas, mas não existem. Não podemos ignorar a dívida, sejamos de esquerda ou direita. Envolverde/IPS
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