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21 de fevereiro de 2014

Alckmin compromete abastecimento de São Paulo pelos próximos cinco anos, aponta pesquisa

Cibele Buoro
Antonio Cruz/ABr

Contrariando recomendações do Ministério Público, Alckmin pode comprometer abastecimento do Sistema Cantareira pelos próximos cinco anos.

Entre atender as recomendações do Ministério Público Estadual e Federal que há um mês alertam o governador sobre a severa crise no abastecimento de água nas cidades do interior e também na Grande São Paulo ou pôr em risco sua reeleição, Geraldo Alckmin não tem dúvidas: opta por extrair até a última gota dos rios do Estado e submeter toda a população à escassez de água sem precedentes. A explicação para isso encontra lastro no pleito de 2014.

Se as quantidades colossais que estão sendo retiradas do Sistema Cantareira para abastecer a Grande São Paulo persistirem, toda a água se esgotará em menos de dois meses, alertam engenheiros do Consórcio das Bacias Piracicaba, Capivari e Jundiaí, o PCJ.

Entenda porque faltará água no interior e em São Paulo
O desconhecimento e a irresponsabilidade coordenam os atos do governador de São Paulo. O Sistema Cantareira é formado pelas represas dos rios Jaguari – Jacareí, Cachoeira, Atibainha, Paiva Castro e Águas Claras. Todos estão com vazões críticas em razão da estiagem fora de época que traz altas temperaturas e falta de chuva. Quando tudo corre bem, ou seja, quando chove no verão, do total do volume de água que brota dessas seis represas, 31 m3 por segundo são destinados para o abastecimento da Grande São Paulo, ininterruptamente, 24 horas por dia. Outros 5m3 vão para as 76 cidades que integram o Consórcio PCJ, que também dependem do Sistema Cantareira.

Contudo, em um evento extremo como o que estamos atravessando, não há água. E mesmo diante desse quadro, o governador de São Paulo insiste em retirar os 31m3, quando deveria adotar o racionamento. O resultado de sua política é a falta de água em muitos municípios desde janeiro, uma vez que São Paulo está levando toda a quantidade que nasce no Sistema Cantareira.

O Consórcio PCJ já alertava desde dezembro de 2013 que os níveis de chuva bem abaixo da média, somados à quantidade de água que está entrando no Sistema e o que está sendo retirado para o abastecimento da Grande São Paulo, trariam como resultado o consumo de toda a água dos reservatórios em 80 dias. Esse prazo hoje está em menos de 60 dias.

Neste momento entram no Sistema Cantareira por seus rios de afluência entre 7 e 10 m3 por segundo. Desse volume 30,9m3 por segundo são enviados para São Paulo e 3 m3 por segundo para o Sistema PCJ, o que totaliza 33m3 por segundo. Atenção: entram 10m3 por segundo e são retirados 33m3 por segundo. Se persistirem essas quantidades nos próximos dias o Sistema será totalmente consumido até o mês de abril, quando o racionamento será inevitável também na Grande São Paulo.

A diferença entre o que entra (10m3/s) e o que sai (33m3/s) é menos 23m3/s. Está saindo mais do que entra e esse saldo negativo das águas é o responsável pelo colapso do sistema hídrico já há mais de um mês enfrentado pelas cidades do interior que dependem do Sistema Cantareira. Caso o racionamento fosse adotado em São Paulo há mais tempo seria prolongada a vida útil dos reservatórios. O não racionamento em São Paulo com intuito de não incomodar os eleitores antes do pleito comprometeu o Sistema Cantareira a ponto de os rios se recomporem e recuperarem suas capacidades de armazenar água somente daqui a cinco anos, indicam estudos do Consórcio PCJ e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Alckmin ignora recomendação do MPE e MPF
No dia 4 de fevereiro, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal expediram recomendação à Agência Nacional de Águas (ANA) e ao Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE) para que houvesse a desconsideração das regras de operação da outorga “a fim de evitar o agravamento da escassez hídrica e o desabastecimento da região”, com “risco de colapso do Sistema Cantareira e de desabastecimento público”.

Pelas regras da outorga (instrumento de gestão previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos que assegura o controle quantitativo e qualitativo do uso da água e o direito ao seu acesso), se São Paulo economizou em anos anteriores, tem o direito de fazer uso do banco de águas, que é um volume virtual (esse “banco” não existe, mas funciona a partir do seguinte raciocínio: se houve economia, há essa reserva para ser utilizada quando for preciso). E São Paulo não precisou desse banco nos últimos anos porque as chuvas foram compensatórias. Porém, como não chove há meses em volume suficiente para recompor os reservatórios, não há essa “reserva”.

Neste momento de evento extremo com estiagem fora de época e com as represas que compõem o Sistema Cantareira em seus piores níveis dos últimos dez anos, o MPE e MPF solicitam aos órgãos gestores dos Sistemas de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo e da União, e isso inclui Alckmin, que revejam as regras da outorga.

Além disso, a situação se agravará a partir de abril, quando as chuvas cessam e tem início, de fato, o período de estiagem.

Apesar de a Agência Nacional de Águas (ANA) determinar a partir de seus estudos técnicos que o Sistema Cantareira precisa operar com 5% de seu volume para garantir um nível mínimo de segurança, este órgão do governo Federal e o DAEE vem “desconsiderando a excepcionalidade do momento, têm autorizado a retirada pela Sabesp de 33m3/s para abastecimento da região metropolitana de São Paulo”, diz a expedição dos MPE e MPF. Nos últimos dias o nível das Bacias PCJ está em menos de 3% do seu volume útil.

“Há uma gritante desproporcionalidade entre as vazões disponibilizadas para São Paulo e para a região do PCJ”, alerta o promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público do Estado de São Paulo, Rodrigo Sanches Garcia.

Sanches chama a atenção para o momento de excepcionalidade, o que obriga São Paulo a abrir mão de seu banco de águas. “A situação é crítica e é preciso suspender temporariamente as regras da outorga, que é o uso do banco de águas. O sistema prevê um compartilhamento e sugere solidariedade, o que não está existindo por parte de São Paulo”, diz o promotor. Os riscos, alerta a expedição do MPE e MPF, são de esgotamento, comprometimento, colapso do sistema Cantareira e de desabastecimento público.

“Se os atuais patamares de retirada de água forem mantidos por mais alguns dias, haverá incomensuráveis prejuízos a todos os dependentes do Sistema Cantareira, inclusive São Paulo”, reitera Garcia.

A força do pedido do MPE e MPF tem amparo na própria Lei nº 9.433/97, artig10, caput, da Portaria 1.213/04, que prevê: “As regras de operação apresentadas na outorga poderão ser desconsideradas em situações emergenciais, assim definidas aquelas em que fique caracterizado risco iminente para a saúde da população, para o meio ambiente e estruturas hidráulicas que compõem o Sistema Cantareira devido a acidentes ou cheias e, obviamente, a estiagem”.

É citado, ainda, que, para minimizar os efeitos da seca, poderão os órgãos outorgantes, no caso em questão da Portaria 1213/04, ANA e DAEE, racionalizar o uso outorgado, conforme previsto no artigo 4º, X e parágrafo 2º da Lei 9.984/00. Ou seja, não há força de decretos e portarias que obrigue os órgãos gestores dos Sistemas de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo e da União – lembrando, Alckmin incluso – a fazerem valer a lei.

A Grande São Paulo é abastecida pelo Sistema Cantareira desde 2004, quando a Sabesp obteve autorização por meio da Portaria nº 1213, de 6 de agosto de 2004, do DAEE do Estado de São Paulo, para transposição das águas das Bacias PCJ, pelo prazo de 10 anos. O prazo expira em 5 de agosto de 2014.

Atualmente, o Cantareira contribui com o abastecimento de aproximadamente 33m³/s para a RMSP, garantindo água para 8,8 milhões de pessoas nas zonas norte, central, parte da leste e oeste da Capital e nos municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Guarulhos (parte), Osasco, Carapicuíba, Barueri (parte), Taboão da Serra (parte), Santo André (parte) e São Caetano do Sul.

“Diante de um momento tão crítico como este temos visto os prefeitos muito lenientes com a atitude do governador. Deveria agora estar ocorrendo uma grande movimentação entre eles, de irem ao Palácio dos Bandeirantes, ao DAEE e ANA para exigirem a aplicação imediata da regra de exceção”, critica o promotor Rodrigo Sanches Garcia.

A regra de exceção é aquela que, diante de um momento de excepcionalidade causado por eventos extremos, como a forte estiagem e escassez de água do momento, o uso do banco de águas é suspenso. “Isso exigiria articulação política de todos os prefeitos. Há muita dificuldade de se abrir uma crítica pública ao governador”, observa Garcia. “São Paulo precisa adotar o racionamento imediato. Se isso fosse acatado há mais tempo, quando alertamos o DAEE e ANA, a vida útil dos reservatórios seria prolongada. Falta articulação dos prefeitos, que não estão atendendo ao interesse público”.

Garcia vai além: “O Governo do Estado tem uma postura desigual quando diz que em São Paulo não haverá racionamento, enquanto a região do PCJ passa dias sem água”.

O secretário executivo do Consórcio PCJ, Francisco Lahóz, reforça a emergência em se adotar a regra de exceção, prevista na norma operativa. Ele explica que a Política Nacional de Recursos Hídricos evidencia que, quando se entra em regime crítico de escassez, a portaria estabelece que o banco de água deixa de existir, por motivo de estar em curso um regime de emergência. "São Paulo deveria abrir mão do banco de águas, não somente para poder prestigiar a região do PCJ, mas para prestigiar a longevidade ou a vida útil do reservatório que, se nós estamos agora, no verão, no período de chuvas, e estamos na estiagem, seria importante que fosse utilizada a menor quantidade de água possível para que o reservatório socorresse, realmente, na estiagem, que teoricamente começa a partir de abril", diz o executivo do Consórcio PCJ.

Uma conta que não fecha
Francisco Lahóz lembra que no dia 18 de dezembro de 2013, pelas contas dos engenheiros do Consórcio PCJ, haveria água do Sistema Cantareira para apenas 100 dias. “Fizemos ofício com DAEE, ANA, Secretaria de Recursos Hídricos de São Paulo, Comitês PCJ, já recomendando que todos os municípios, inclusive a Grande São Paulo, entrassem em processo severo de racionalização e nós também alertávamos para o seguinte: se estavam entrando 12m3 por segundo no Sistema Cantareira e saindo 36m3 por segundo, essa conta final não iria dar certo”. Diz também: “Em uma condição de crise, principalmente quando você tem uma estiagem em pleno verão, há de se liberar só a vazão que entra no sistema e isso também não foi atendido. Agora, na atual situação que se encontra o Cantareira, não está bom nem para São Paulo”, diz Lahóz.

Não racionalizar na Grande São Paulo - medida tomada por Alckmin considerada por Garcia como de dois pesos e duas medidas, já que “não pode faltar água na capital, mas no resto do estado pode” -, somada aos alertas que partiram do Consórcio PCJ desde dezembro do ano passado e às retiradas de 31m3 por segundo resultam hoje na menor vazão da história do Sistema Cantareira, que opera abaixo de 19% de sua capacidade, o que já comprometeu o volume mínimo de água necessário para atravessar a época de estiagem. Há riscos de que a Grande São Paulo sofra racionamento a partir de meados de abril.

Segundo o professor do Instituto de Filosofia e Ciências Políticas (IFCH) da Unicamp, Valeriano Mendes Ferreira da Costa, “apesar de não ser possível entrar na cabeça do governador”, Alckmin está “levando até o limite do possível para não ter racionamento em São Paulo”. “O calendário eleitoral tornou as coisas mais difíceis com o candidato do PT com força maior”.

Costa avalia que, se não for por populismo o fato de Alckmin não anunciar o racionamento na Grande São Paulo, o que pode estar em jogo são as eleições. “Ele não pode abrir espaço para uma situação como essa, na qual pesa a decisão de quase 12 milhões de votos, contra cinco milhões na região que agora sofre com a falta de água”.

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Cibele Buoro é graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela PUC Campinas, pós-graduada em Ciência Política pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Atua na imprensa desde 1990.


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