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7 de outubro de 2008

UMA AVENTURA DE BARCO NO MÉDIO RIO XINGU

Ribeirinhos, em Altamira exibem cartazes da Campanha
"Rio Xingu Vivo para Sempre"

Os ribeirinhos do Médio Xingu
Por Lisa Feder* - 07/10/2008

Subindo o Rio Xingu, de Altamira, em uma longa canoa de metal, em direção ao sul, apreciamos o frescor da paisagem. O nível da água estava alto, era estação chuvosa e por instantes o céu ficava azul e brilhante, marcado por nuvens brancas inchadas.

De tempos em tempos, uma clareira pequena aparecia na floresta, com uma ou duas casas feitas de madeira ou palha, com canoas compridas de madeira estacionadas à margem do rio e, de vez em quando, um ou outro barco grande de madeira, coloridos.

Passamos por várias pessoas pescando na beira do rio com redes e linhas. Nosso barqueiro, Herculano, soltava um grito de saudações a todos por quem passávamos e cada um deles inevitavelmente respondia a saudação. Eles são ribeirinhos. Herculano também era um.

O Rio Xingu corta o Pará quase inteiro de norte ao sul e é um dos maiores tributários do Rio Amazonas. Em alguns pontos, mede até mais do que um quilômetro de lado a lado. E é salpicado por milhares de ilhas, grandes e pequenas.

A posse do rio e de suas margens são extremamente valiosas ao Brasil. A água na estação chuvosa representa um recurso energético enorme e o governo brasileiro tem tentado há algum tempo construir uma barragem hidrelétrica nessa região. Em 1989, o Banco Mundial, que havia aprovado um projeto de financiar a barragem, foi forçado a cancelar seus planos graças aos enormes protestos dos povos indígenas, os quais ganharam reconhecimento internacional. Se a barragem fosse construída, inundaria algumas áreas indígenas e diminuiria o nível do rio em outras áreas, ameaçando o sustento dos ribeirinhos. Aspirantes a fazendeiros, madeireiros e outros vêm em multidões (como bandos de aves de rapina) à região da Bacia do Rio Xingu, perseguindo as terras parcamente habitadas e os preciosos recursos que a floresta amazônica e o rio dão.

Nós éramos sete pessoas no barco, incluindo o piloto. Russ e eu somos os únicos norte-americanos. Estávamos filmando um documentário sobre economias alternativas da região amazônica que geram renda sustentável com produtos renováveis da floresta, como a venda internacional do açaí e da castanha, entre outros. Além da roupa básica, levávamos redes, mosquiteiros, e, mais importante, duas câmeras de vídeo de alta-definição, que protegemos da chuva com uma enorme lona amarela. Nossa equipe incluía uma liderança ambiental local, Tarcisio, seu filho de 14 anos e Herculano. Também levamos um técnico de rádio-amador e três rádios para instalar em três comunidades ribeirinhas. Às vezes um ribeirinho ou dois pegava carona conosco.

Herculano não estava apenas sendo simpático com os seus gritos de saudação. Ele conhecia cada uma das 56 famílias ao longo da enorme porção do rio Xingu entre Altamira e São Félix do Xingu. Ele nasceu numa família de ribeirinhos que tem vivido na beira dessa gigante serpente aquática por gerações. Ele cresceu na roça, pescando e coletando frutas, vegetais e castanhas na floresta. Hoje, ele é marido e pai orgulhoso de dois jovens. Mas agora, ao invés de viver da terra, a família ocupa um pequeno apartamento na cidade de Altamira.

Herculano nos descreveu o dia em que lhe foi dada a ordem de desocupação da sua terra. Os homens chegaram à casa dele mostrando títulos da terra, argumentando que os títulos são a prova da posse da terra. Falaram para Herculano que ele estava ocupando a terra deles e que ele deveria partir com todas as suas coisas dentro de alguns dias. Chocado e confuso, ele decidiu obedecer. Alguns dias depois, ele parou um barco indo para Altamira e embarcou o que tinha, com a esposa e duas crianças, indo morar na cidade. Quase sem um trocado e sem noção da vida na cidade, ele começou a buscar um lugar onde sua família pudesse ficar. Logo, Herculano encontrou Tarcisio, ligado aos povos tradicionais, que cresceu em Altamira perto de grupos indígenas e ribeirinhos. Tarcisio contou-nos que a família de Herculano não foi a única a receber tais ameaçadas. Ele explicou que os fazendeiros compraram títulos ilegais de propriedade da terra de grileiros. Com o suporte de Tarcisio, Herculano se deu conta do seu novo papel na vida, como advogado dos direitos humanos da comunidade de ribeirinhos.

Nos quatro anos seguintes, Herculano subiu e desceu o rio falando com seus vizinhos ribeirinhos, registrando depoimentos e levando-os ao governo, em Altamira e Brasília, enquanto a família dele ficava na cidade. Então, ele foi reconhecido entre os fazendeiros e grileiros como uma ameaça aos seus objetivos de ocupação inteira da terra e foi colocado pela máfia local em uma posição alta na lista de executáveis, junto com seu amigo Tarcisio.

Agora, nós, Russ e eu, estávamos com esses homens, da lista de executáveis, viajando a várias dessas comunidades locais que decidiram ficar na sua terra e agüentar as ameaças dos fazendeiros. Nós estávamos ali para filmar depoimentos a fim de mandá-los à capital, Brasília, para uma reunião sobre os direitos dos ribeirinhos que aconteceria na semana seguinte. Antes de subir no barco, me preocupei, pensando na ansiedade da minha família lá nos EUA. Não ajudou nada Tarcisio ter nos falado, ainda no hotel em Belém, que a viagem poderia ser perigosa. Racionalizando, imaginei que esses grileiros responsáveis pelo assassinato da irmã Dorothy Stang, em 2005, não me conheciam e não teriam nenhuma razão para me matar. Mas eu também não queria estar na linha de fogo!

Em Altamira, perguntei de novo para Tarcísio quão perigosa seria essa viagem. Ele me falou que não havia nenhum perigo e que eu não devia me preocupar. Muito diferente do que ele me dissera antes. Decidi não avançar com o assunto, mas brinquei que ia passar a viagem deitada no chão do bote. Durante a viagem, esqueci desse perigo. A emoção do vento e da chuva varreu qualquer preocupação. E por ora estávamos livres no Xingu, alegres, cabelo ao vento.

Toda a liberdade e emoção desapareceram rapidamente quando desembarcamos na casa dos primeiros ribeirinhos. Os "purês", pequenos mosquitos pretos, baixaram sobre nossos corpos, cada um deixando uma pequena marca vermelha de sangue onde mordiam, em toda parte, por nossas pernas, braços e rostos. Então, tomamos banhos de repelente.

O chefe da família do local onde desembarcamos, Bernardinho, sentou-se dentro da canoa de madeira com as pernas para fora, balançando. Dois dos seus filhos ficavam ao redor dele. Bernardinho de vez em quando matava um mosquito, mas não se preocupava demais com eles. Dava um tapa em suas próprias costas, falava algumas frases, um tapa no braço, resignado, com naturalidade. Eu tentei usar toda a minha prática em meditação para ficar calma. Tarcísio pediu ao Bernardinho contar-nos a estória recente de um homem que se chama Louro, quem, havia poucos dias, fora ameaçado por grileiros que lhe deram um forte golpe na cabeça com um remo de madeira! Bernardinho nos contou o que ele ouvia.

Bernardinho nos convidou para o almoço. Havia muita lama na beira do rio. Muita lama! Havia também dois cachorros bem magros e várias galinhas. Atravessamos a lama sobre pontes improvisadas de tocos finos, tentando não cair. Seguimos a trilha até sua casa, rodeada de uma roça de milho. A casa não tinha paredes, só teto e chão de terra. Tinha estantes com utensílios de cozinha, uma canoa cheia de sacos de terra, um tacho (aquela panela enorme que seca a mandioca), uma mesa pequena de madeira com três cadeiras, alguns banquinhos e várias redes. Aceitamos com enorme gratidão o arroz, o feijão e a carne, e conversamos com a esposa e as filhas. O céu nos presenteou com uma leve chuva, que demorou só cinco minutos e passou. Uma pequena sugestão da tempestade que cairia mais tarde. Voltamos para o barco e continuamos nossa viagem por mais seis horas. Conheça o restante dessa interessante aventura CLICK AQUI


* Lisa Feder é antropóloga norte-americana e faz trabalhos na Terra Indígena Kayapó.

(Fonte: Vilmar Berna - Portal do Meio Ambiente)

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