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9 de julho de 2009

COMO PENSAR A ÁGUA COMO FONTE DE RIQUEZA




Geografia Política da Água,
artigo de Luciana Ziglio
Ecodebate - julho 9, 2009

Pensar na água como fonte de riqueza?
Pensar na água como possível geradora de conflitos entre países? Imaginar a água como mercadoria em escala internacional? A água é um recurso da humanidade? Todos têm o direito de a usar?

Essas questões foram discutidas pelo geógrafo, Wagner Costa Ribeiro, em sua obra Geografia Política da Água (*), levando os seus leitores a refletir sobre como, atualmente, é gerenciado esse recurso vital não só ao homem, mas também às demais formas de vida presentes na Terra.
Os sistemas industriais, dos mais simples aos mais complexos, utilizam água.
A agricultura a consome em abundância e a população mundial também. Mas, cabe, aqui, relembrar que, nesta obra, o consumo por parte da população, segundo análises do autor, é desigual entre os atores mencionados. Tal afirmação é confirmada pela ilustração dos dados da Organização para a Coo peração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em que apenas 30 países consomem juntos 27% de toda a água disponível no planeta. Dentre esses, o geógrafo cita Estados Unidos, Canadá, França, Noruega, Portugal e Espanha, como os que exageram quer seja para fins de produção industrial quer seja para agricultura.
Desse modo, o autor, diante da atual tipologia de uso dos recursos hídricos, aponta, para curto prazo, crises localizadas de falta de água, com origens política e econômica. Essa é definida, por Ribeiro, como a reprodução de diferentes estilos de vida que levam a um acesso desigual à riqueza; e, conseqüentemente, a um acesso desigual aos recursos naturais, aqui, especificamente, os hídricos. Aquela, na visão do mesmo, é determinada pelo fato de a disponibilidade hídrica nem sempre estar presente na fronteira político-administrativa da Nação que necessita da água. Neste momento, ele define, então, a Geografia Política da Água: nem sempre ela está disponível onde há a maior demanda por seu uso.

Essa crise, segundo o geógrafo, já se faz presente quando temos, no mundo, quase 2,5 bilhões de pessoas sem os serviços de saneamento básico, de acordo com dados da UNESCO que, brilhantemente, foram relembrados por ele. Ao não acesso da população aos recursos hídricos, somam-se aos problemas os maiores frutos dessa situação, como é o caso das epidemias decorrentes da falta d’água ou de seu tratamento inadequado.

Mas o ápice do problema, para o futuro próximo de uma crise da água, reside no uso indevido, com fins de acúmulo de capital, desse recurso por parte da esfera privada. Isso poderá, em breve, impedir o acesso de qualquer ser humano a tal recurso indispensável à manutenção da vida.

Evitar que as políticas públicas não privilegiem a esfera privada, e, sim, o uso coletivo e público da água, é um dos desafios mencionados na obra, bem como uma das formas de equacionamento do uso igualitário da água. Assim, os países devem priorizar, na organização de suas leis nacionais de recursos hídricos, o uso coletivo e não especulativo da água.

O autor relata os avanços em busca de organizar a gestão da água a partir dos inúmeros encontros mundiais já realizados: a Conferência de Dublin (1992); a Conferência do Rio (1992); a Conferência de Noordwijk (1994); ou, ainda, a criação do Conselho Mundial da Água (1996) e a Parceria Global da Água (1996); a Convenção de Helsinque (1992); a Conferência de Paris (1992); os Fóruns Internacionais da Água (1994-2007) e, por fim, a legitimação do Ano Internacional da Água.

Para somar avanços aos documentos e eventos mencionados, Ribeiro evidenciou o surgimento da Convenção de cursos internacionais d’água (1997). Aqui, portanto, o autor apresenta certo otimismo ao elencar as conferências e a criação do tratado; mas, ao mesmo tempo, pessimismo, pois alerta para a supremacia da ordem econômica em relação ao recurso que impede a assinatura suficiente de Estados/Nações para que a Convenção vigore. Como entraves para o não vigor da Convenção, Ribeiro menciona a Geografia Política da Água, o uso equitativo e a valoração da água.

A Geografia Política da Água convida os leitores a compreender o real direito à vida, e a perceber que os recursos naturais, primeiramente, estão a serviço da vida humana e da coletividade, e não aos fins acumulativos de capital. Nesse sentido, os países que, hoje, em seu território, possuem o recurso hídrico, segundo o autor, devem repensar sua posição diante do cenário internacional nas questões ambientais correlacionadas à água e devem impor-se, favoráveis à preservação e ao uso coletivo desse bem natural.
Diante deste cenário de futura escassez de água, Ribeiro organiza a sua obra através da espacialização geográfica da água, que, alinhada à geopolítica, comprova que nem sempre a distribuição natural da água coincide com a distribuição política dos países que necessitam desse bem em grandes demandas.

A preservação e o uso adequado são as alternativas apontadas por Ribeiro para evitar, em longo prazo, a guerra pela água; e, só então, estabelecer a Geografia Política da Água. Exemplos de soluções dados pelo autor, como: respeitar o balanço hídrico e as insolações, e verificar as características das plantas cultivadas, nem sempre são atitudes praticadas pelo agricultor, já que, muitas vezes, ele tem como primeiro plano o imediato retorno financeiro. A mesma situação ocorre quando nos referimos ao setor industrial.

A resistência do setor produtivo em substituir seu parque tecnológico por equipamentos mais sofisticados, que já utilizam a água em menor quantidade, é fato, uma vez que o custo econômico dessa troca é o principal item a ser considerado. Ao mesmo tempo, é uma realidade que a população, em suas atividades diárias, não tem um uso racional da água, o que faz do desperdício uma prática social.

Outra importante mudança, apontada pelo autor, é a regulamentação legal do acesso à água. Inúmeros eventos realizados, documentos redigidos e a existência da Convenção de cursos d’água internacionais são passos positivos e fundamentais. Contudo, a questão do direito à água carece de uma legislação interna e externa, ao mesmo tempo, para que esse recurso não seja usufruído pelo fim de capital privado, e sim pela coletividade.
A água, antes de tudo, é um pré-requisito para a concretização dos outros direitos humanos. Devem-se priorizar, também, leis que impeçam os abusos de empresas que utilizam esse recurso na prestação de serviços. Nesse aspecto, Ribeiro alertou, em sua obra, sobre a possibilidade de prevalência do uso econômico a partir do momento em que os serviços de tratamento e disponibilidade da água podem ser controlados pelo setor privado. A ausência de regulamentação deve despertar a atenção para países que detém grande estoque hídrico, e como, por exemplo, temos o Brasil como fonte exuberante de água doce.

Caso as mudanças apontadas pelo autor não sejam concretizadas, certamente, teremos o cenário exposto pelo geógrafo, em que assistiremos à guerra pela água entre as Nações. Nesse caso, seguindo o pensamento do mesmo, ficamos com a questão: a humanidade terá guerras mundiais provocadas pela água?

Os estudos afirmam que são raros os conflitos por água, mas jamais negam a ocorrência dos mesmos. Dessa maneira, podemos, sim, considerar que a humanidade terá conflitos mundiais por água, caso não mude a sua atitude em relação à preservação e ao uso dos recursos naturais.
Faz-se necessário, ao formular a Geografia Política da Água, interpretá-la para buscar a segurança ambiental do recurso. Pensar dessa forma coloca-nos diante de duas perspectivas: a água como fonte de eventuais conflitos e o seu uso como ameaça à reprodução da vida, quando esse recurso atende somente às solicitações do sistema capitalista.

Segundo o geógrafo, pensar na água pela ótica do conflito, remete-nos à distribuição desigual desse recurso no mundo; o que, por conseqüência, deve gerar mais disputas pelo seu acesso. Os conflitos, que já foram registrados, ocorreram, em geral, entre países fronteiriços, comprovando a possibilidade de lutas por água. Mas o autor vai adiante em sua explanação, quando menciona que, atualmente, os confrontos entre esses países possam admitir a escala da dimensão transfronteiriça em perspectiva futura.

Pensar na água como recurso que somente atende à reprodução do sistema capitalista, abre a possibilidade de valoração da água; e, como conseqüência, o pagamento pelo acesso a ela.
Seria correto pensar em pagamento pela água?
Seria ético pagar para ter direito à água?
Qual seria o preço acessível e justo para a água?
Qual seria o custo acessível no Mundo, apesar de tantas disparidades de renda entre os países?
Ribeiro apontou essas questões em sua obra e alertou sobre este caminho perigoso, em que a possibilidade de privatização da água pode ocasionar, por não terem recursos financeiros, que milhares de pessoas morram de sede.

A Declaração dos Ministros no segundo Fórum Mundial da Água realizado em Haia, em 2000, indicou que a água possui valor econômico. Tal declaração somente explicitou, em âmbito internacional, um procedimento que estava em curso por décadas e que busca sua predominância, ao vermos a possibilidade de comércio internacional de água doce; ou, ainda, a privatização dos serviços de geração de energia elétrica e de saneamento nos países.
O cenário de escassez anunciada da água, através da manutenção dos atuais níveis de consumo, exige mudanças. É preciso alterar a visão mundial sobre o uso desse recurso natural. Ao invés de a tornar mercadoria, com preços definidos, é necessário reafirmar a sua importância para a sobrevivência humana e garantir o acesso a todos.

A Geografia Política da Água alerta-nos para esses direcionamentos perigosos aos quais um recurso tão essencial à vida é submetido. A ética e o direito à vida devem prevalecer nas questões referentes à água. Essa garante aquilo que não pode ser negligenciado: a vida. Como aceitar que comunidades não tenham acesso à água porque não possuem recursos financeiros para a utilizar?

Em sua obra, Ribeiro enumera alternativas emergenciais, ao apresentar a proposta de um novo projeto de sociedade, que esvazie de significado o consumo e retome dimensões mais nobres da existência, como as idéias da permanência do tempo longo, da perenidade, do diálogo, do respeito e da implantação de tecnologias ambientais limpas. Na escala planetária, a busca dos países pelos acordos multilaterais eqüitativos e responsáveis, no que tange ao desenvolvimento sustentável, serve como resposta à real transformação que visa o acesso democrático à água.

No entanto, as alternativas apontadas por Ribeiro, e aqui mencionadas, não são fáceis para se internalizar nem para se praticar. Temas como soberania, ética, justiça, coletividade devem estar presentes em negociações ambientais, econômicas e políticas, para que, realmente, esses conceitos sejam possíveis, já que as verdadeiras mudanças requeridas nem sempre são acatadas.
O comércio da água não deve ser aceito como possibilidade concreta. E, segundo Ribeiro, essa comercialização será um dos maiores e mais importantes embates políticos contemporâneos. Permitir o pagamento pela água será consentir que parte da população fique sem algo vital, tal qual não ter acesso aos alimentos.

Não podemos pensar em sustentabilidade quando temos a possibilidade da cobrança de uma substância fundamental à vida humana. Teremos a tão sonhada preservação dos recursos naturais para as futuras gerações, mas apenas para aqueles que puderem pagar? Nesse sentido, o direito à vida é obtido quando temos dinheiro? Será que, em curto prazo, podemos pensar, também, em pagar pelo ar que respiramos?
A proposta de uma nova ética em Geografia Política da Água convida-nos a refletir sobre os recursos hídricos e sobre a possibilidade de um caminho que evite o comércio e a guerra pela água. Desse modo, que os leitores desta obra reflitam sobre a água como fonte de riqueza, como possível geradora de conflitos entre países, como mercadoria em âmbito internacional, como recurso da humanidade. Todos têm direito de a usufruir?

(*) RIBEIRO, W. C., Geografia Política da Água, 1º ed. São Paulo: Editora Annablume, junho, 2008. 162 p. (Coleção Cidadania e Meio Ambiente)
Luciana ZiglioUniversidade de São Paulo – USPE-mail: lziglio@yahoo.com.br
Luciana Ziglio, Geografa, Programa de Pós Graduação em Geografia Humana, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, SP, Brasil
[EcoDebate, 09/07/2009]

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