Na opinião do glaceólogo Jefferson Simões, há “um certo catastrofismo” em relação às mudanças climáticas, o degelo e o aumento do nível do mar"
Jefferson Simões*:
Mudanças climáticas e os impactos na água potável
Por: Patricia Fachin, 19/10/2009
Revista IHU Online
O Ártico está perdendo o gelo da sua superfície, e isso muda a circulação das correntes atmosféricas e oceânicas naquela região e afeta todo o clima do planeta, informou o glaciólogo Jefferson Simões à IHU On-Line. Nesta entrevista, concedida por e-mail, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, enfatizou que conforme o gelo do mar desaparecer, o oceano ficará mais aquecido, mas o gelo do mar está flutuando, “assim, ao derreter não afetará o nível dos mares”. Neste processo, ele explica que o derretimento das geleiras lançará mais gelos para o mar, o que pode ocasionar perda de parte dos recursos de água potável.
*PROF. JEFFERSON SIMÕES
Professor do Instituto de Geociências da UFRGS e coordenador do Centro Polar e Climático - CPC, da UFRGS, Simões é doutor em Glaciologia, pelo Scott Polar Research Institute (SPRI) da Universidade de Cambridge (Inglaterra) e pós-doutor pelo Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l'Environnement (LGGE) Du Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS (França). Introduziu no Brasil a ciência glaciológica e a Geografia das Regiões Polares, lecionando nos programas de pós-graduação em Geociências e Geografia da UFRGS. O professor também coordena projetos do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) e foi coordenador-geral de rede de pesquisas Antártica, as Mudanças Globais e o Brasil no período 2002-2006. Participou de 19 expedições polares, destacando a liderança em missões internacionais e uma travessia chileno-brasileira no verão de 2004/2005 (quando atingiu o Pólo Sul Geográfico) no manto de gelo antártico. No verão de 2008/2009 liderou a primeira expedição científica nacional ao interior do continente antártico.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a situação climática da Antártida desde o último relatório do IPCC?
Jefferson Simões - Sem grandes modificações: a temperatura média da parte mais ao norte da Antártida continua relativamente alta (sem comparar com as médias das últimas cinco décadas). Em geral, o aumento contínuo e a temperatura se estabilizaram nos últimos 3 anos. Aguardemos para ver o que ocorrerá nos próximos cinco anos!
IHU On-Line - Como essa massa de gelo está afetando a circulação dos oceanos e da atmosfera nos hemisférios sul e norte?
Jefferson Simões - A massa de gelo afeta normalmente o clima do planeta. Ela força o transporte de ar quente dos trópicos para as regiões polares. Agora, quanto ao impacto das modificações do gelo no clima, ainda é cedo para avaliar.
IHU On-Line - O senhor pode nos explicar como funciona o processo de degelo da Antártida e do Ártico? Como ações realizadas em outras partes do mundo contribuem para tal processo?
Jefferson Simões - Primeiro, é importante lembrar que não é por estar longe que as regiões polares não afetam o nosso cotidiano ambiental. O sistema ambiental é um contínuo, e as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos no sistema climático. Além do que algo lançado na atmosfera será espalhado por todo o globo. Assim, poluentes lançados no Hemisfério Norte chegam à Antártida.
Segundo, na natureza, existem tipos diferentes de gelo. A diferença maior é entre o gelo de geleiras (formado pelo acúmulo de cristais de neve sobre um continente ou ilha - pode ultrapassar 4.000 m de espessura) e o mar congelado (raramente ultrapassa 6 m de espessura). O Ártico é um oceano congelado, que cada vez mais está aberto (sem gelo na superfície), esse fato muda a circulação das correntes atmosféricas e oceânicas naquela região e afeta todo o clima do planeta. Conforme o gelo do mar desaparece, o oceano aquece mais rapidamente ainda. Nota importante: o gelo do mar está flutuando, assim, ao derreter, não afeta o nível dos mares. Este processo é muito rápido.
Na Antártida, o enorme manto de gelo não está derretendo. Somente o gelo perto de 0°C, na parte mais ao norte da Antártida (Península Antártica) mostra rápido derretimento. É gelo acima do continente e, ao derreter, vai para o mar e contribui para o aumento do nível deste.
IHU On-Line - As variações morfológicas e as mudanças do clima da Antártida já estão afetando diretamente a costa brasileira?
Jefferson Simões - Ainda não estão afetando, espera-se que o mar avance algumas dezenas de metros continente a dentro nas próximas décadas. Mas isto dependerá da morfologia da costa. Uma região como Rio Grande é mais afetada do que Torres (morfologia mais elevada).
IHU On-Line - Nos últimos 50 anos, a temperatura da Antártida aumentou três graus centígrados, mas o senhor ressaltou, em outra entrevista, que isto atingiu menos de 1% do país. Essas mudanças climáticas representam que impacto no aquecimento global?
Jefferson Simões - Sim, somente no norte da Antártida que ocorreu isso. Ainda não sabemos se é um sinal de ação humana.
IHU On-Line - A previsão científica era de que haveria até 2100 um aumento do nível do mar entre 18 e 60 centímetros. Nesses últimos três anos, alguns pesquisadores preveem a redução do gelo do Ártico de 2100 para 2040, e alguns falam até em 2020 e 2015. Esses fatos têm relação no que se refere à mudança climática? Há muito alarmismo ou as mudanças de fato são agravantes?
Jefferson Simões - A questão do derretimento do gelo Ártico não tem nada a ver com o aumento do nível do mar. Mar congelado ao derreter não afeta nível do mar, pois o gelo já está flutuando na água (princípio de Arquimedes! ). Sim, o mar congelado poderá desaparecer até 2050, e isso afeta o clima, não o nível do mar.
Existe um certo catastrofismo.
Poucos leem trabalhos científicos e os cenários propostos. Nossas previsões são para aumentos do nível do mar em até 1 m (devido ao derretimento de gelo na Groenlândia e montanhas nas regiões temperadas e tropicais). Devemos achar soluções sociais e tecnológicas para reduzir o impacto das mudanças globais na sociedade. Mas, por outro lado, estas modificações no sistema climático, prejuízos de trilhões de reais, afetarão mais as classes menos favorecidas.
IHU On-Line - Em que medida o aquecimento global pode acelerar o processo de degelo?
Jefferson Simões - Já está acelerado, pois aquele gelo perto de 0°C rapidamente começa a derreter com o aumento da temperatura.
IHU On-Line - Nos debates sobre as mudanças climáticas, as emissões de gás carbônico ganham destaque, além da preocupação com o desmatamento, as queimadas e a preservação das florestas. No que se refere às geleiras, o debate deveria ganhar mais destaque? Como a conferência do clima deveria tratar o tema em Copenhague?
Jefferson Simões - O desmatamento não é o problema mais relevante, são as queimadas.
O debate sobre geleiras não é sucinto, é no Brasil que se desconhece a discussão, pois enfatizamos muito a questão da Amazônia. Mas o sistema ambiental é um contínuo. A questão das geleiras está relacionada à questão dos limites do aquecimento global; mais gelo será perdido para o mar. Assim aumentamos o nível do mar e perdemos parte dos recursos de água potável.
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*PROF. JEFFERSON SIMÕES
Professor do Instituto de Geociências da UFRGS e coordenador do Centro Polar e Climático - CPC, da UFRGS, Simões é doutor em Glaciologia, pelo Scott Polar Research Institute (SPRI) da Universidade de Cambridge (Inglaterra) e pós-doutor pelo Laboratoire de Glaciologie et Géophysique de l'Environnement (LGGE) Du Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS (França). Introduziu no Brasil a ciência glaciológica e a Geografia das Regiões Polares, lecionando nos programas de pós-graduação em Geociências e Geografia da UFRGS. O professor também coordena projetos do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) e foi coordenador-geral de rede de pesquisas Antártica, as Mudanças Globais e o Brasil no período 2002-2006. Participou de 19 expedições polares, destacando a liderança em missões internacionais e uma travessia chileno-brasileira no verão de 2004/2005 (quando atingiu o Pólo Sul Geográfico) no manto de gelo antártico. No verão de 2008/2009 liderou a primeira expedição científica nacional ao interior do continente antártico.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a situação climática da Antártida desde o último relatório do IPCC?
Jefferson Simões - Sem grandes modificações: a temperatura média da parte mais ao norte da Antártida continua relativamente alta (sem comparar com as médias das últimas cinco décadas). Em geral, o aumento contínuo e a temperatura se estabilizaram nos últimos 3 anos. Aguardemos para ver o que ocorrerá nos próximos cinco anos!
IHU On-Line - Como essa massa de gelo está afetando a circulação dos oceanos e da atmosfera nos hemisférios sul e norte?
Jefferson Simões - A massa de gelo afeta normalmente o clima do planeta. Ela força o transporte de ar quente dos trópicos para as regiões polares. Agora, quanto ao impacto das modificações do gelo no clima, ainda é cedo para avaliar.
IHU On-Line - O senhor pode nos explicar como funciona o processo de degelo da Antártida e do Ártico? Como ações realizadas em outras partes do mundo contribuem para tal processo?
Jefferson Simões - Primeiro, é importante lembrar que não é por estar longe que as regiões polares não afetam o nosso cotidiano ambiental. O sistema ambiental é um contínuo, e as regiões polares são tão importantes quanto os trópicos no sistema climático. Além do que algo lançado na atmosfera será espalhado por todo o globo. Assim, poluentes lançados no Hemisfério Norte chegam à Antártida.
Segundo, na natureza, existem tipos diferentes de gelo. A diferença maior é entre o gelo de geleiras (formado pelo acúmulo de cristais de neve sobre um continente ou ilha - pode ultrapassar 4.000 m de espessura) e o mar congelado (raramente ultrapassa 6 m de espessura). O Ártico é um oceano congelado, que cada vez mais está aberto (sem gelo na superfície), esse fato muda a circulação das correntes atmosféricas e oceânicas naquela região e afeta todo o clima do planeta. Conforme o gelo do mar desaparece, o oceano aquece mais rapidamente ainda. Nota importante: o gelo do mar está flutuando, assim, ao derreter, não afeta o nível dos mares. Este processo é muito rápido.
Na Antártida, o enorme manto de gelo não está derretendo. Somente o gelo perto de 0°C, na parte mais ao norte da Antártida (Península Antártica) mostra rápido derretimento. É gelo acima do continente e, ao derreter, vai para o mar e contribui para o aumento do nível deste.
IHU On-Line - As variações morfológicas e as mudanças do clima da Antártida já estão afetando diretamente a costa brasileira?
Jefferson Simões - Ainda não estão afetando, espera-se que o mar avance algumas dezenas de metros continente a dentro nas próximas décadas. Mas isto dependerá da morfologia da costa. Uma região como Rio Grande é mais afetada do que Torres (morfologia mais elevada).
IHU On-Line - Nos últimos 50 anos, a temperatura da Antártida aumentou três graus centígrados, mas o senhor ressaltou, em outra entrevista, que isto atingiu menos de 1% do país. Essas mudanças climáticas representam que impacto no aquecimento global?
Jefferson Simões - Sim, somente no norte da Antártida que ocorreu isso. Ainda não sabemos se é um sinal de ação humana.
IHU On-Line - A previsão científica era de que haveria até 2100 um aumento do nível do mar entre 18 e 60 centímetros. Nesses últimos três anos, alguns pesquisadores preveem a redução do gelo do Ártico de 2100 para 2040, e alguns falam até em 2020 e 2015. Esses fatos têm relação no que se refere à mudança climática? Há muito alarmismo ou as mudanças de fato são agravantes?
Jefferson Simões - A questão do derretimento do gelo Ártico não tem nada a ver com o aumento do nível do mar. Mar congelado ao derreter não afeta nível do mar, pois o gelo já está flutuando na água (princípio de Arquimedes! ). Sim, o mar congelado poderá desaparecer até 2050, e isso afeta o clima, não o nível do mar.
Existe um certo catastrofismo.
Poucos leem trabalhos científicos e os cenários propostos. Nossas previsões são para aumentos do nível do mar em até 1 m (devido ao derretimento de gelo na Groenlândia e montanhas nas regiões temperadas e tropicais). Devemos achar soluções sociais e tecnológicas para reduzir o impacto das mudanças globais na sociedade. Mas, por outro lado, estas modificações no sistema climático, prejuízos de trilhões de reais, afetarão mais as classes menos favorecidas.
IHU On-Line - Em que medida o aquecimento global pode acelerar o processo de degelo?
Jefferson Simões - Já está acelerado, pois aquele gelo perto de 0°C rapidamente começa a derreter com o aumento da temperatura.
IHU On-Line - Nos debates sobre as mudanças climáticas, as emissões de gás carbônico ganham destaque, além da preocupação com o desmatamento, as queimadas e a preservação das florestas. No que se refere às geleiras, o debate deveria ganhar mais destaque? Como a conferência do clima deveria tratar o tema em Copenhague?
Jefferson Simões - O desmatamento não é o problema mais relevante, são as queimadas.
O debate sobre geleiras não é sucinto, é no Brasil que se desconhece a discussão, pois enfatizamos muito a questão da Amazônia. Mas o sistema ambiental é um contínuo. A questão das geleiras está relacionada à questão dos limites do aquecimento global; mais gelo será perdido para o mar. Assim aumentamos o nível do mar e perdemos parte dos recursos de água potável.
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>> Jefferson Simões concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Acesse no sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).
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ÁGUA - QUEM USA, CUIDA!
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