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14 de outubro de 2009

DELTA DO RIO PARANÁ É O ÚNICO DO MUNDO QUE NÃO ESTÁ EM EXTINÇÃO


Mudança climática é apenas uma causa da erosão costeira

Qua, 14/Out/2009
Por Gabriela Cerioli*

Buenos Aires (Terramérica).- O delta formado na desembocadura do Rio Paraná, no leste da Argentina, é o único do mundo que não está em extinção, e isso se deve ao corte de floresta para plantar soja, explica nesta entrevista o geólogo Jorge Codignotto, ex-membro do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC). “Todos os deltas do mundo têm 7.500 anos e todos estão em vias de destruição”, menos o formado entre os rios Paraná e da Prata, disse Codignotto, que integrou o IPCC entre 1999 e 2007 e que, há vários anos, estuda a situação das áreas costeiras deste país.

“Com o desmatamento da Selva de Yungas, no noroeste, para cultivar soja, o Rio Bermejo proporciona ainda mais sedimentos que terminam no delta. Se esta variável perdurar, em 2050 teremos o delta em frente à cidade de Buenos Aires, e contaminado”, afirmou o especialista. Este é um exemplo dos fatores, além da mudança climática, que afetam quase cinco mil quilômetros de ribeiras – desde o estuário do Rio da Prata até o Canal de Beagle –, que fazem da Argentina um dos 25 países com maior longitude de linha costeira.

É necessário “diagnosticar” de maneira “holística” a erosão costeira, e o Estado deve regulamentar a atividade humana nessas áreas, afirma Codignotto, doutor em Ciências Geológicas da Universidade de Buenos Aires e pesquisador principal do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas.

Qual é o panorama atual das zonas costeiras argentinas?

JORGE CODIGNOTTO: A costa argentina está incluída em um amplo fenômeno de erosão que está aumentando desde os anos 70. Isto é atribuído ao aquecimento global, porque, quando o planeta esquenta (as causas estão em discussão), os anticiclones se deslocam para os polos, o que implica mais tempestades em lugares mais austrais que antes não as tinham, e mais intensidade, fazendo com que nas áreas costeiras haja mais ondas, mais energia, mais corrente. Porém, também há um aumento da erosão por outras causas antrópicas.

Como a elevação do nível do mar influi na erosão da costa?

JC: Na realidade, o nível do mar sobe apenas três milímetros por ano, mas o importante é seu efeito dominó: há mais correntes costeiras que causam erosão, chove mais em algumas zonas costeiras e isto leva terra para o mar, o que significa uma mudança nos ecossistemas. Calcula-se que, em 2025, haverá no planeta um bilhão de habitantes a mais e se notará escassez de alimentos, porque romperam-se ecossistemas-chave. Os ecossistemas podem migrar, mas precisam de um tempo. A Organização das Nações Unidas calcula que, até 2025, 85% da população estará assentada em áreas costeiras, fazendo com que essas zonas, que são instáveis, sofram ainda mais a pressão humana. E há outro problema: a contaminação. Na costa do Rio da Prata, este país tem uma faixa contaminada de mil ou 1.200 metros com mercúrio, cianureto, cromo, detergentes, etc., que não são tratados porque é muito caro. Temos 14 milhões de habitantes que tomam água do Rio da Prata. Na velocidade com que vem avançando o delta, em 2050 o teremos diante da cidade de Buenos Aires, com todos seus canais contaminados.

Como a erosão atua na costa argentina?

JC: A erosão não é a mesma em cada região. Na costa de Buenos Aires, caíram casas de concreto e houve rompimentos em avenidas costeiras. Isso significa dinheiro jogado no mar por ignorância. As pessoas ocupam o território costeiro, mas desconhecem que a terra se move em todos os sentidos e mais nas margens costeiras. É muito difícil pensar que a costa pode mudar. Mas, quando os espanhóis chegaram ao Rio da Prata, navegavam até Escobar, 50 quilômetros ao norte da cidade de Buenos Aires. E, há 19 mil anos, podia-se chegar às ilhas Malvinas caminhando. Outro problema é a inundação. O povo de General Lavalle, na Baía de Samborombón, em Buenos Aires, está praticamente no nível do mar, tem canais de maré que se enchem de escombros. Isso, em um esquema de elevação do nível do mar, não tem sentido.

Na cidade de Buenos Aires são acrescentados, em média, 20 hectares de terreno por ano pelos aterros na costa desde 1925. O que diz destas ações que roubam espaços do rio?

JC: Gastemos dinheiro em algo que seja mais útil e econômico, como desestimular o povoamento da costa.

É possível educar a população?

JC: Primeiro, se deve fazer uma legislação que permita usar o território racionalmente. Nas cidades balneárias da costa de Buenos Aires são frequentes as ruas perpendiculares à costa. Quando chove e há sudestada (vento forte de sudeste) isso faz com que o fluxo pluvial não volte à areia para evitar a erosão da costa, mas que acabe no mar, deixando uma grande canaleta na praia, cenário que piora devido à destruição das dunas para facilitar o acesso às praias. Em Villa Ostende, 365 quilômetros ao sul da cidade de Buenos Aires, foram criadas alamedas muito largas e verdes que de trecho em trecho têm uma depressão para acumular água de chuva que se infiltra na terra e volta a formar o ciclo.

Há soluções adequadas nos municípios?

JC: Não, mas o que há, e é bom, é o Decreto 3202 sobre manejo costeiro, que em novembro de 2006 foi sancionado pela província de Buenos Aires. Temos a sorte de o nosso Código Civil para o assunto da costa estar baseado no critério do “caminho de sirga” dos romanos. Naquela época, os mares e os rios tinham uma faixa equivalente a 35 metros de uso público, para puxar com cavalos e cordas os navios que não podiam usar suas velas perto da costa. A costa da Argentina não pode ser privatizada, graças a Dalmacio Vélez Sarsfield, autor do Código. Embora, às vezes, isto se prostitua.

Existe alguma possível solução de longo prazo?

JC: É fundamental a informação com uma visão holística. Há muitos especialistas, mas a especialidade é reducionista. Os especialistas devem integrar suas pesquisas ao contexto. E que o Estado estabeleça normas.

* Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (http://www.complusalliance.org/).


Crédito da imagem: Gabriela Cerioli/IPS

Legenda: Jorge Codignotto

LINKS

Desarrollo sustentable - Cobertura especial de IPS e IFEJ
http://www.ipsnoticias.net/_focus/dsustentable/index.asp

Nem tudo é culpa da mudança climática
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=1007

Argentina mede impacto ambiental climático
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=1421

Um perigoso mergulho
http://www.tierramerica.info/nota.php?lang=port&idnews=1984

Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática, em inglês
http://www.ipcc.ch/

Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina, em espanhol
http://www.conicet.gov.ar/


Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

Fonte: Envolverde / Terramérica/Jornal do Meio Ambiente

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