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8 de dezembro de 2008

DESMATAMENTO ALTERA QUALIDADE DA ÁGUA DE SÃO FRANCISCO XAVIER (SÃO JOSÉ CAMPOS - SP)

Foto: leonir angelo lunardi Magnífica Cachoeira Rei, em São Francisco Xavier

Desmatamento (SP) - São Francisco Xavier vive "crise" da água

Folha de S.Paulo - 07/12/2008

José Ernesto Credendio/ Mariana Barros enviada especial a São Francisco Xavier

Sabesp tenta tratar água suja, mas moradores reclamam de "gosto de cloro" e dizem ter perdido sua "maior riqueza'

Problema é atribuído a desmate em fazenda por onde passa rio que abastece distrito turístico da região de São José dos Campos

Primeiro, a água saiu escura, quase negra. Depois, nenhuma gota nas torneiras. Gisele Fátima França, 27, não teve escolha: fechou seu restaurante e contabilizou os prejuízos. Foram dois dias de espera até que o abastecimento se normalizasse e a água voltasse a ter a aparência cristalina típica das nascentes da serra da Mantiqueira.

Moradora de São Francisco Xavier, distrito turístico de São José dos Campos que a fica a 97 km de São Paulo e área de proteção ambiental, Gisele foi uma das que sofreram com a água suja e com a falta dela no início de outubro. A normalização do abastecimento, porém, não acabou com os problemas. "Tive de colocar filtro em casa. Está com gosto de cloro. Antes dava para pegar da torneira e beber na mão, era nossa maior riqueza", reclama Gisele.

O gosto ruim tem motivo: para garantir qualidade mínima, a Sabesp (empresa de saneamento básico de SP) aplicou o mesmo tratamento dado à água retirada do rio Paraíba do Sul, um dos mais poluídos do Estado.

Típico paraíso ecológico protegido pelo difícil acesso, São Francisco Xavier vive do turismo, prejudicado porque o lugarejo perdeu a fama de ter "água mineral" direto da torneira, afirmam seus moradores.

"Pus a água no balde branco e vi que estava amarela. A sujeira do mato assentava embaixo, como polvilho", lembra o açougueiro José Antônio dos Santos, 41, também do distrito. "A gente não tem dinheiro, mas tinha água. Era a melhor coisa que a gente tinha", diz Santos.

Apesar de a investigação sobre o fim da "água mineral" ainda estar em andamento, moradores dizem que a causa foi a grande quantidade de terra levada pelas chuvas ao rio das Couves, onde a Sabesp capta a água para abastecer o distrito.

A vegetação que fixava essa terra ao solo foi extraída pelo proprietário da fazenda cortada pelo rio, Walter Cerigatto Costa.
Ele contava com autorização do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais) para cortar 118 hectares (quase um parque Ibirapuera, em São Paulo) de "Pinus elliottii", espécie de pinheiro, de sua propriedade.

Ele poderia cortar 20% da área por ano. Uma vistoria realizada por órgãos do Estado após as denúncias, porém, apontou que, até outubro, metade da área já havia sido devastada. O proprietário também devastou o chamado "sub-bosque", que estava sob o pinus, quando a licença concedida pelo DEPRN tinha como objetivo recuperar a mata nativa.

"A retirada foi malfeita, havia troncos empilhados, muita madeira tombada sobre o rio da Couves", afirma o engenheiro Francisco Godoy, chefe da Divisão de Controle Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente de São José dos Campos.

De acordo com o Ministério Público, além do pinus, foi extraída também parte da vegetação nativa em estágio inicial de regeneração, que protege a serra da Mantiqueira.

O conflito entre o fazendeiro e os moradores de São Francisco Xavier ganhou ares de Velho Oeste. Insatisfeita, a população local chegou a espalhar cartazes pelo distrito estampando a foto do fazendeiro com os dizeres "Persona non grata", culpando-o pela situação da água.

Para Fabiano Lima, presidente da SAB (Sociedade Amigos de Bairros), o maior problema foi a falta de fiscalização do poder público. "Se não fosse pelo desmatamento, isso não teria acontecido. Isso nunca aconteceu antes", afirma Lima.

Área será recuperada, diz advogada de fazendeiro

Órgão do Estado admite possível falha na concessão de licença para desmate

da reportagem local
da enviada especial a São Francisco Xavier

A advogada da fazenda Mandala, Naoka Sera Furuiti, por onde passa o rio que abastece São Francisco Xavier, afirma que o motivo da interrupção do abastecimento do distrito ainda está sob investigação.
A advogada diz que a propriedade já está realizando obras, depois de firmar um acordo com o Ministério Público, a fim de recuperar a área degradada.

O diretor-regional do DEPRN (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais) no Vale do Paraíba, Danilo Angelucci de Amorim, diz que o corte das árvores foi autorizado para permitir que a vegetação nativa crescesse no local onde os pinus foram retirados.
Isso porque os pinus, que não são originários daquela região, são considerados "contaminantes biológicos" -ou seja, impedem que a mata nativa se recupere no terreno.

"A idéia era o contrário. O objetivo era retirar o pinus, permitir a recuperação da mata ciliar e manter a qualidade da água", afirma Amorim.
Segundo ele, o DEPRN pode ter falhado ao conceder uma licença para o corte de toda a área e não ter fragmentado o pedido em várias autorizações.

Dessa forma, o órgão poderia conceder a nova licença somente depois de verificar, na fiscalização, que a anterior havia sido cumprida normalmente sem que tivesse havido qualquer falha. (JEC e MB)


Saiba mais: Local é área de proteção há seis anos

Cravado na serra da Mantiqueira, São Francisco Xavier foi transformado em APA (Área de Proteção Ambiental) em 2002, por meio de uma lei estadual aprovada em novembro daquele ano.
Por seus 12.623 hectares passam seis rios, além de 17 córregos ou ribeirões (é um deles, o das Couves, que está causando todo o problema de abastecimento de água no distrito).

O vilarejo tem 2.867 habitantes, incluindo aí as zonas urbana e rural, e conta com várias trilhas, picos e cachoeiras. Tem restaurantes e pousadas pitorescos. A região é montanhosa de clima ameno. Assemelha-se muito a outras localidades próximas -e mais badaladas- do sul de Minas Gerais, como Monte Verde. Nos últimos anos, o distrito vem recebendo um crescente número de turistas que buscam esportes de aventura.

"Existem diversas cachoeiras situadas na mata, duas rampas de vôo livre e vários pontos com altitude apropriada para a prática de paraglider, além de rios e córregos próximos à serra do Selado, adequados para a prática de esportes aquáticos como a canoagem com botes infláveis", diz o site do distrito, que fica a 97 km de São Paulo.

São Francisco Xavier também é um dos poucos lugares onde é possível encontrar o muriqui (ou mono-carvoeiro), uma espécie de macaco ameaçada de extinção.
Cerca de cem deles habitam a mata atlântica local, segundo informações do CAT (Centro de Informações ao Turista), motivo pelo qual o distrito é destino de muitos ecoturistas -não que seja fácil ver um deles numa simples caminhada pelas trilhas do distrito.

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