Chesf: a gênese e a lógica do desmonte
Peço ler a matéria abaixo ou visitar o site em defesa da Chesf e do Nordeste
http://chesfsempre.blogspot.com/
Atenciosamente,
Huseyi Miranda Sipahi - Chesfiano
81-99919830 begin_of_the_skype_highlighting
Matéria, publicada hoje no Jornal do Commercio, em 08_04_2010
Como nas grandes tragédias, não há apenas um motivo para justificar o desmonte da Chesf, a maior empresa do Nordeste, celeiro de técnicos competentes e grande formuladora de políticas para o desenvolvimento da região. São muitas as razões. Complexas, intrincadas, obscuras. Envolvem interesses que vão muito, muito além de uma empresa de energia elétrica. Aos fatos:
Antes de mais nada é preciso dizer que quem manda no setor elétrico brasileiro é o senador José Sarney, do PMDB. Ele é o padrinho político dos ex-ministros de Minas e Energia Silas Rondeau e Edison Lobão. Ele é o suporte político de José Antônio Muniz, engenheiro maranhense que foi presidente interino da Chesf durante dois meses em 1993. Os de boa memória se lembram de uma cena que rodou o mundo quatro anos antes de seu interinato. Em 1989, último ano do governo Sarney, José Antônio, então diretor da Eletronorte, em plena Amazônia, tentava explicar a um grupo de índios a importância da construção de uma hidrelétrica no Rio Xingu, no Pará. A caiapó Tuíra, indignada com o projeto, aproximou-se e num violento gesto de ameaça esfregou seu facão no rosto do engenheiro. José Antônio safou-se da investida, cresceu politicamente, tentou privatizar a Chesf em 2002 (governo FHC) dividindo-a em três empresas e desde março de 2008 é presidente da Eletrobras, controladora da Chesf, Furnas, Eletronorte e Eletrosul.
José Antônio é, portanto, o condutor do processo que transfere do Recife para o Rio de Janeiro todas as decisões que envolvem a Chesf. E esta é a raiz de todo esvaziamento.
“Com a nomeação de José Antônio Muniz Lopes para a presidência da Eletrobras, Sarney tem o poder total no setor elétrico, de alto a baixo”, diz Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, de Belém. A declaração está em Honoráveis Bandidos – Um retrato do Brasil na era Sarney, livro escrito no ano passado pelo jornalista Palmério Dória.
Hoje, sempre que questionado sobre o processo de esvaziamento da Chesf, José Antônio nega a possibilidade e afirma que, na realidade, está fortalecendo a Eletrobras e, assim, cumprindo a ordem do presidente Lula de transformar a holding energética numa grande Petrobras do setor elétrico.
Mas a operação é curiosa a começar pelos números. A Eletrobras lucrou no ano passado R$ 170 milhões. A Chesf, R$ 764 milhões. É um caso interessante de uma “filial” que ganha quase cinco vez mais que a “matriz”. Outra controlada importante, Furnas, por sua vez, fechou o ano passado com um prejuízo de R$ 129 milhões. Já a Eletronorte está quebrada. Após oito anos (governos FHC) sob o comando do próprio José Antônio, amarga um passivo de mais R$ 8 bilhões. A Eletrosul, outra sob o guarda-chuva da Eletrobras, só opera com transmissão. Não gera energia e, por isso, não tem tanta atratividade.
Diante de um quadro deste, no momento em que a Eletrobras comandada por José Antônio, Lobão e Sarney quis se transformar numa megacompanhia global (digamos que seja apenas este o interesse), qual é a subsidiária considerada o filé, a joia da coroa, a empresa que poderia atrapalhar seus planos se não estivesse sob seu controle? A Chesf, naturalmente. E os tentáculos do PMDB abraçaram a companhia nordestina.
Como em Crônica de uma Morte Anunciada, de Gabriel Garcia Marquez, todo mundo sabia que haveria um assassinato. E ninguém fez nada. Um esperou pelo outro, a preguiça se estabeleceu, estavam todos tão ocupados, tanto interesse em jogo e Santiago Nasar foi morto pelos irmãos Vicário.
A morte da autonomia da Chesf aconteceu em 11 de julho do ano passado, quando o seu conselho de administração, na reunião de número 150, aceitou a decisão da Eletrobras de concentrar tudo na sede do Rio. Ninguém fez nada, ninguém abriu a boca. Uns ficaram calados por interesse, outros por desconhecer as reais implicações daquela reunião.
E eis que no mês passado começaram a chegar os novos crachás, a nova marca com logotipo estilizado da holding se sobrepondo ao da subsidiária. Aqui e ali surgiram algumas vozes contrárias à mudança. Infelizmente, nada ainda a altura da gravidade desta transferência de poder.
Aproveitando-se da passividade reinante no meio político, o Ministério de Minas e Energia e a Eletrobras – agora soberana em tudo – inseriram o Artigo 22 na Lei 11.943/2009, sancionada por Lula em 28 de maio passado. A Chesf, então, foi “autorizada” a prorrogar até 2015 contratos de venda de energia que venceriam este ano. O que isso significa? Um prejuízo de R$ 350 milhões, no mínimo. Logo abaixo eu explico. Antes, vale dizer que técnicos da Chesf alertaram a Eletrobras para a perda que a subsidiária teria. Também lembraram que não havia amparo jurídico. E o que foi feito? Antes de sua iminente saída, em 12 de março passado, Lobão (o homem de Sarney) conversa com Lula e o presidente assina o Decreto 7.119. Tudo foi regulamentado.
Na prática, a canetada proíbe a Chesf de renegociar contratos com sete empresas que compram energia diretamente à companhia nordestina. Antes que os contratos vencessem – e portanto fossem reajustados – o Ministério articulou a renovação deles com os preços antigos. Se o caminho seguido fosse o correto, a Chesf leiloaria a energia e possivelmente ganharia mais com a venda de seu produto. Mas, não. Com a operação, saíram ganhando Vale, Braskem, Dow Química, Gerdau, Caraíba Metais, Novelis e Ferbasa, empresas que certamente serão gratas à bondade de Sarney, Lobão e José Antônio. E à de Lula, não vamos esquecer.
Ora e por que ninguém fez nada? Onde estavam, onde estão nossas lideranças?
Pelo que se pode depreender, a necessidade pragmática de se preservar a grande aliança PT/PMDB falou mais alto. Na lógica dos governistas, o grupo de Sarney garante a governabilidade no Legislativo e, mais importante ainda, fortalece eleitoralmente a candidata Dilma Rousseff à Presidência. O braço direito de Dilma se chama Erenice Guerra, que agora é ministra da Casa Civil. Erenice integra o conselho de administração da Chesf, presenciou a reunião de 11 de julho de 2009 e aprovou tudo.
Sendo assim, por que Eduardo Campos, ainda que sendo do PSB, se insurgiria contra o acordo que pavimenta a candidatura de Dilma? Ora, Dilma é candidata de Lula e Lula apoia Eduardo. A mesma lógica vale para outras lideranças que se não ficaram caladas com o desmantelamento da Chesf, adotaram um posicionamento pífio e tardio, como o de Eduardo.
Bom, e na própria Chesf, por que ninguém falou nada? Cadê os funcionários, cadê a diretoria, cadê todo mundo que brigou contra a tentativa de privatização em 2002? Por partes:
A diretoria não fez nada porque é frágil e dividida. Não tem vez nem voz. Ninguém se entende. Há casos de diretor que não fala com o colega da sala ao lado. O presidente Dilton Da Conti, embora tenho sido indicado pelo PSB de Eduardo, não tem prestígio com o governador. Eduardo e Dilton têm uma relação conflituosa por questões que remontam à operação dos precatórios (1996), depois à eleição de 2002 e, mais recentemente, ao pleito eleitoral de 2006. Não é de se estranhar que Eduardo dê de ombros à sorte de Dilton de, isolado, tentar explicar o inexplicável.
Em 2003, início do governo Lula, além de Dilton, o PSB indicou João Bosco de Almeida para o cargo de diretor-administrativo e Marcos Cerqueira, para a diretoria-financeira. Tamanho é o descaso de Eduardo com a Chesf e com Dilton que, assumindo o governo de Pernambuco em 2007, sacou Bosco para a Compesa e nem se deu o trabalho de indicar outro nome para o lugar vago na empresa de energia. A cadeira ficou vazia durante três anos. Foi então que o PMDB ocupou o vácuo, indicando José Pedro de Alcântara, ligado ao senador Renan Calheiros, do PMDB. Já Cerqueira, também do PSB, segundo uma fonte do setor, deve ter pensado: “Se nem Dilton nem Eduardo fazem nada. Por que eu vou fazer?” Por sua vez, José Ailton de Lima, diretor de engenharia, é do PT. E o PT lá em cima quer ficar com o PMDB, partido que abocanhou a Chesf. Calou-se José Ailton. O mesmo aconteceu com Mozart Arnaud, homem ligado a Dilma Rousseff.
Os funcionários – com as honrosas exceções de praxe – calaram-se por um motivo mais concreto: aumento salarial. Ser do quadro da Eletrobras garante um contracheque mais alto do que ser da Chesf. Some-se a isso a juventude do quadro que, diferentemente daqueles mais antigos, não valorizam muito a estatal como uma planejadora, uma indutora do desenvolvimento regional. Funcionários satisfeitos, sindicato quase inerte.
Pronto, bastidores contados, a grande pá de cal ainda está por vir. Em 2015, vencerão as concessões para que a Chesf opere suas hidrelétricas, com exceção de Sobradinho. Se nada for feito, o mais provável é que haja também uma transferência, agora não mais de poder - uma transferência operacional mesmo – para a Eletrobras. Acontecendo isso, a Chesf, que já virou um mero escritório, se limitará a ser apenas parte da história.
» Saulo Moreira é editor de Economia do JC
Publicado em 08.04.2010
Saulo Moreira
smoreira@jc.com.br
» Saulo Moreira é editor de Economia do JC
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