Muito barulho, muita confusão
Washington Novaes - 08/08/2008
Washington Novaes - 08/08/2008
Há momentos, no Brasil, em que é difícil avaliar a realidade política, tais as contradições entre os diversos agentes ou entre as palavras e as ações.
O momento que estamos vivendo é um desses. Nunca se ouviu falar tanto em desenvolvimento sustentável, poucas vezes se caminhou tanto em direções opostas em áreas muito importantes.Pode-se começar pela licença prévia concedida ao projeto da usina nuclear Angra 3.
A primeira pergunta seria se o País precisa de mais energia, inclusive dos 1.300 MW dessa unidade. E vários estudos - da Unicamp, da USP (professor Célio Bermann, entre outros), do WWF, dos professores Pinguelli Rosa (Coppe-UFRJ) e José Goldemberg (ex-ministro e ex-secretário, IEE-USP) e de outras instituições - dizem que o Brasil poderia até reduzir seu consumo em 30% com programas de eficiência e conservação de energia; ganhar mais 10% do consumo atual com repotenciação de usinas antigas; e outros 10%, ainda, aumentando a eficiência nas linhas de transmissão, que hoje perdem 15%. E tudo a custos muito menores.
Mesmo se precisasse de mais energia, poderia recorrer a outras fontes, renováveis, mais limpas e mais baratas.Não bastasse tudo isso, as usinas nucleares enfrentam problemas como o da insegurança: neste momento mesmo, duas usinas da França, país que mais depende de energia nuclear, apresentam vazamentos radiativos perigosos.
E não há, em nenhum país, solução para o lixo nuclear. Em Angra 1 e Angra 2, ele continua depositado em piscinas, dentro das próprias usinas.
Estados Unidos e Suécia, que tentam sepultar esses resíduos, não conseguiram resolver questões de ordem geológica, hidrológica, sismológica e outras. Aqui, diz o ministro do Meio Ambiente que exige “solução definitiva” (sem dizer qual). Mas o presidente do Ibama ressalva que “ninguém vai descobrir a pólvora”. E o ministro de Minas e Energia, antes de definido o caminho, assegura que a implantação do projeto começa em setembro. Em que ficamos?
Se se passar à criação do Ministério da Pesca, cresce a perplexidade. Como já foi mencionado aqui - e como João Lara Mesquita demonstrou na última quarta-feira, neste espaço, com fartura de informações -, estudos oficiais como os do Revizee e de instituições acadêmicas mostram que praticamente todas as espécies mais pescadas na costa brasileira estão sendo capturadas em excesso ou estão ameaçadas de extinção.
Relatórios internacionais apontam as dificuldades nas aqüiculturas marinhas ou de águas interiores, pois em todas elas o consumo de alimentos pelas espécies cultivadas é em volume maior que o das carnes que produzem - o que é insustentável e contribui para a degradação dos ecossistemas. Mas estamos transformando a Secretaria Federal de Pesca em Ministério, com o objetivo declarado de aumentar a quantidade anual pescada.
Contribuirá para agravar a insustentabilidade. E a concessão de seguro-desemprego a 400 mil pescadores no período de defeso, em que certas espécies não podem ser pescadas, não precisaria depender da criação do Ministério ou do aumento de produção.Pode-se seguir adiante.
Diz o ministro Mangabeira Unger (Agência Brasil, 1.º/8) que “toda a Amazônia brasileira hoje é um caldeirão de insegurança jurídica”; que, “sem estruturas produtivas e sociais organizadas, será um imenso vazio difícil de ser defendido”; que “precisamos equipar as organizações que fazem a regularização fundiária na região (...) e organizar o que diz respeito às propriedades da União”. Se não for assim, afirma o ministro, “se os 25 milhões de brasileiros que moram na Amazônia legal não tiverem oportunidades econômicas legítimas, eles passarão a atuar em atividades que devastarão a floresta”. Nenhuma discordância. Mas cabe perguntar: não se está pactuando com a “insegurança jurídica” quando o governo permite legalizar terras com até 1.500 hectares sem a documentação e as provas?
Quando o presidente da República veta artigo de lei que condicionava a regularização de terras ali ao zoneamento ecológico-econômico nos Estados (e só dois o têm)?
Quando a direção do Ibama numa região (Alta Floresta, a de maior desmatamento) declara dispor apenas de quatro funcionários e três veículos quebrados para fiscalizar uma área de 80 mil quilômetros quadrados (equivalentes aos Estados do Espírito Santo, Sergipe e um pouco mais)?
Quando a União é dona de 47% das terras e deve zelar pelas áreas indígenas (mais de 12%) e áreas protegidas, mas não tem cadastros, estações de monitoramento suficientes, sistemas de fiscalização abrangentes e permanentes - e nada disso está à vista no horizonte?
Propostas como a da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, de forte investimento em ciência, formação de cientistas e pesquisas sobre biodiversidade, para dar um novo rumo à Amazônia, parecem já haver caído no esquecimento. Os próprios institutos de pesquisa que existem na região vivem em estado de penúria.
E o ministro Mangabeira acrescenta que o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que custou bilhões de dólares, “foi um equívoco do passado”.Não bastasse, o ministro da Agricultura afirma ser possível (Estadão Online, 20/7) plantar cana-de-açúcar “nas savanas da Amazônia”, porque estas estão fora do “bioma amazônico”.
Embora contido depois em seus arroubos, trata-se de raciocínio semelhante ao que levou o ministro do Meio Ambiente a excluir da proibição de crédito oficial propriedades situadas na região de transição do Cerrado para a Amazônia.
Como se o desmatamento no Cerrado fosse irrelevante, não estivesse nesse bioma um terço da biodiversidade brasileira, não nascessem nele 14% das águas superficiais do País e não estivessem ocorrendo em seu domínio, com o desmatamento e queimadas, perto de 40% das emissões brasileiras por essas vias (e que são 75% das emissões totais).
Está difícil dormir com tanto barulho.
Washington Novaes é jornalista
Enviado pelo correspondente Engº. Luciano M. Aguiar -SP
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