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11 de novembro de 2010

SOS ATINGIDOS POR BARRAGENS


Decreto que cria cadastro para indenizar vítimas de barragens esquece controle social


[10/11/2010 18:38]

Militantes de movimentos dos atingidos pela construção de usinas hidrelétricas e especialistas que pesquisam o tema consideram um avanço a assinatura do Decreto 7.342, de 26 de outubro, mas criticam ausência da sociedade civil nos debates e no comitê de cadastramento.


O objetivo do decreto, assinado pelo presidente Lula, é facilitar a indenização da população atingida pelos empreendimentos. Para isso, cria o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida.

Uma das associações mais importantes de defesa dos interesses das vítimas, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), recebeu o texto com elogios e otimismo. Luiz Dalla Costa, da coordenação nacional do MAB destacou que o decreto reconheceu uma reivindicação histórica. "Até hoje, primeiro se fazia o leilão, depois ia ver quem seriam os atingidos. Quando se regulamenta isso, já obriga o Estado e as empresas a fazerem o levantamento da situação real antes de iniciar o processo de construção das usinas. O que dá uma certa garantia de que todas as pessoas que têm direito possam fazer a sua reivindicação."

Mas o decreto só vale para as vítimas das hidrelétricas licenciadas a partir de janeiro de 2011. Não faz qualquer referência aos milhares de atingidos pelas obras anteriores. Também cria o Comitê Interministerial de Cadastramento Socioeconômico, que será integrado pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pelos ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente e da Pesca e Aquicultura. Não está prevista a participação da sociedade civil e não há referência ao controle social no processo de cadastramento e cumprimento dos direitos.

O texto obriga a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a incluir nos editais de leilão e nos contratos de concessão das usinas hidrelétricas cláusulas específicas sobre a responsabilidade das concessionárias da obra na realização do cadastro. Ou seja, o empreendedor será responsável por cadastrar os atingidos, o que é questionável segundo a antropóloga Andréa Zhouri, coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta/UFMG). "Sob a lógica da viabilidade econômica capitalista, o empreendedor vai buscar reduzir drasticamente suas despesas, o que inclui o número de atingidos com direito a indenização. Quem vai fiscalizar o cumprimento das cláusulas pelo empreendedor? Não me parece muito claro isso."

O maior equívoco

O professor Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ)considera que deixar o cadastramento sob responsabilidade do empreendedor é o maior equívoco do decreto. "Por ser um registro dos portadores de direitos a reparação, o cadastro deveria ser de responsabilidade de um órgão público – Aneel, Ibama ou órgão ambiental competente. Afinal, estas agências públicas autorizaram a uma empresa privada impor perdas a um conjunto de comunidades, famílias e pessoas. Assim, caberia, a meu ver, a estes mesmos órgãos o estabelecimento daqueles que são portadores de direito a reparação."

O militante José Rodrigues, que também participou da direção nacional do MAB por 10 anos e hoje é vereador em Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, destaca a falta de discussão com a sociedade no processo de preparação do decreto. "Se o processo não abrir espaço no comitê para participação de entidades que representam as vítimas, creio que poderemos questionar a validade desse comitê no Judiciário."

À espera da regulamentação

Dalla Costa entende que essa lacuna poderá ser preenchida na fase de regulamentação do decreto: "A regulamentação poderá abrir o comitê interministerial à participação da sociedade na elaboração do diagnóstico, da listagem das vítimas e até na discussão sobre política energética. Não queremos ficar discutindo apenas os prejuízos.” Mesmo assim, Dalla Costa define o decreto como “uma conquista extraodinária".

Para Vainer, parece insuficiente deixar o Comitê Interministerial do Cadastro Socioeconômico apenas no âmbito dos ministérios. "É indispensável assegurar a presença de representação da sociedade civil e da comunidade acadêmico-científica neste comitê."

O pesquisador do IPPUR/UFRJ também aguarda que a regulamentação defina de maneira mais clara alguns de seus dispositivos. "Pelo que entendo, o artigo 5º estabelece que os contratos de concessão deverão indicar explicitamente as obrigações do concessionário em termos do cumprimento de todas as regras relativas ao cadastramento. Acredito, porém, que teremos que esperar a regulamentação do decreto e os primeiros contratos de concessão pós-decreto para ver exatamente se há algo mais do que a simples enunciação das obrigações do concessionário em termos de cadastro."

Carlos Vainer destaca pontos que, a seu ver, fazem o decreto inovador e positivo. "De um lado, ele fixa legalmente quem deve ser cadastrado, o que significa que ele define quem são os atingidos, o que significa dizer, quem são os portadores de direito a reparação. Isto saiu do arbítrio da empresa ou do órgão ambiental."

A antropóloga Andréa Zhouri, no entanto, observa que o texto não diz como será conduzido o cadastro: "Quais são os mecanismos políticos, institucionais, regulatórios para assegurar a implementação desse cadastro? Quem vai monitorar, em que instância do licenciamento ele será feito? Como se vai fazer cumprir e de que forma executar isso?"

E acrescenta: "Com aval de quem foi definido que o cadastro tem de ser exclusivamente socioeconômico? Ele não contempla a diversidade cultural dos povos atingidos , as tradições de povos indígenas e populações tradicionais? Isso não pode ser recomposto por indenizações, por compensações materiais."

Obra já chega como "realidade inexorável"

Para ela, o decreto é insuficiente para garantir os direitos dos atingidos por barragens. Antes de se discutir a identificação de quem deve ser indenizado, deveria haver um processo transparente de análise do empreendimento, para saber se ele é realmente necessário e se deve ser feito naquele local. "Mas ocorre o contrário. A obra já chega ao conhecimento dos futuros atingidos como uma realidade inexorável, e o decreto vem como uma migalha, uma forma de adequar as vítimas e suas circunstâncias socioambientais ao tal projeto inexorável."

O futuro incerto das vítimas de barragens, apesar dos avanços identificados no decreto, pode ser resumido no discurso do diretor de engenharia da Eletrobrás, Valter Cardeal, na audiência que moradores da área a ser atingida pela hidrelétrica de Belo Monte tiveram com o presidente Lula, em 22 de julho de 2009: "Quinze ou vinte mil pessoas não podem impedir o progresso de 185 milhões de brasileiros", disse o engenheiro da Eletrobrás.

Mesmo exaltando os pontos positivos do decreto, o MAB não pretende se acomodar. "Muito importante é que a gente faça agora uma série de debates sobre o texto e aponte essas lacunas para que no instante da regulamentação sejam corrigidas as falhas", diz Dalla Costa.

Vainer também prega continuidade no acompanhamento do processo: "Penso que o decreto é claríssimo. Agora, como sempre, haverá que impor o cumprimento das novas regras, e garanti-las por todos os meios, políticos e legais. A luta continua, é claro." (Leia no quadro abaixo, a entrevista de Vainer ao ISA).

O MAB informa que não há estimativas sobre a população atingida por barragens no País, mas estudos apontam que nos próximos 30 anos o número pode chegar a 1 milhão.

O ISA encaminhou por escrito ao Ministério de Minas e Energia, conforme solicitado pela assessoria de imprensa do ministério, algumas perguntas para esta matéria. Mas o MME não respondeu.

Fonte: ISA, Julio Cezar Garcia.

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Carlos Vainer: “A luta continua”


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