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10 de fevereiro de 2010

CONSTRUÇÃO DE HIDROELÉTRICA DE UIRAMUTÃ (RO) É UMA PIADA, DIZ DEFENSOR PÚBLICO DE RORAIMA

Boa Vista, capital de Roraima


Remédio contra a ignorância


Jaime Brasil Filho*

"Agora as trombetas soam uníssonas no sentido de construir a redenção energética de Roraima, que seria uma hidroelétrica na região do Uiramutã. Outra mentira, tomando em conta que a crise de energia na Venezuela se deve principalmente à escassez de água, à falta de chuvas decorrente do fenômeno El Niño. O que justificaria a construção de uma hidroelétrica situada na mesma região climática?"


Não poderá existir qualquer transformação sem que as condições objetivas e subjetivas estejam dadas. Isto é, não são apenas os fatos e as condições reais (objetivas) que fazem com que as pessoas se voltem para a busca de um outro mundo possível, de um mundo melhor; a maneira (subjetiva) como as pessoas sentem e interpretam os fatos que os cercam é igualmente importante, às vezes mais.

No Brasil, as condições objetivas, para que haja uma grande transformação, estão colocadas há séculos, ou seja, a injustiça, a desigualdade, a falta de condições dignas de vida nos acompanham faz muito tempo. Por outro lado, as condições subjetivas não nos deixam agir: o baixo nível de escolarização, a falta de uma cultura crítica, o privilégio como objetivo (para a classe média), e a “mendicância” como meio de sobrevivência (para os pobres), frutos de séculos de escravidão e de coronelismo, constroem uma sopa perceptiva e cognitiva que freia os impulsos rebeldes, a inclinação do ser-humano à liberdade e à justiça.

A partir do século XX a mídia, como instrumento das forças conservadoras, tornou-se a grande construtora da manutenção e do incremento das condições subjetivas que sempre desestimularam ações de protagonização do povo.

Na mídia a propaganda, institucional ou não, serve como construtora de um senso comum que embaça a visão do povo quando este olha para a sua realidade.

No Brasil muitas igrejas se utilizam de instrumentos de comunicação de massa para divulgar e pregar as suas doutrinas. Há inúmeros relatos e reportagens que mostram que a luta deixou de ser apenas no campo teológico, já entrou no âmbito político-partidário e já parte para a esfera empresarial. Fiquei chocado quando, na madrugada de sábado, em um programa televisivo, um religioso com a imagem de N. Srª dos Remédios ao fundo, fez pregações sobre fé e cura das enfermidades, e, no canto da tela, permanecia perene a logomarca do patrocinador, que era nada mais, nada menos, que uma rede de farmácias! Isso mesmo: N. Sr.ª dos Remédios, um religioso e a marca de uma rede de farmácias. Imaginem o perigo potencial à saúde pública que a vinculação desses elementos simbólicos pode causar na mente e na vida das pessoas. Se igrejas começarem a se juntar aos grandes empresários e as grandes corporações, realmente, só Deus sabe onde iremos parar.

É justamente assim que os conservadores agem para desviar a atenção do povo, misturam elementos aparentemente díspares e dão a eles um sentido quase abstrato, que se insinuam em uma superficial relação, mas que acabam por ganhar corpo, causando uma confusão mental que não deixa espaço para que se possa enxergar os nossos reais problemas e as soluções viáveis.

As soluções, que a maioria dos políticos tem apresentado para Roraima, partem exatamente dessas incoerências simbólicas, que são plantadas nos corações e mentes dos cidadãos roraimenses.

A monocultura extensiva nunca foi e jamais será um caminho de melhora na qualidade de vida da maioria da população, mas os agentes do conservadorismo inventam um discurso fantasioso, e que é repetido exaustivamente pela mídia, para convencer que os interesses dos poderosos se encontram fraternalmente com os interesses do povo, o que é uma mentira.

A silvicultura, com o plantio de acácias, foi estandarte durante anos dos mesmos políticos que hoje ficam caladinhos quando denunciamos o enorme prejuízo ambiental (e econômico) que tal atividade vem causando para o ecossistema Lavrado.

Há dois anos foi o etanol a grande bandeira de redenção levantada pela maioria dos políticos e pela mídia local. Pois bem, não é viável tal empreendimento, nem nunca foi. Primeiro o custo-benefício social e ambiental para Roraima, como já escrevi nesta coluna, é claramente negativo. Segundo, todo o processo de licenciamento se deu à revelia de muitas normas, o que já ensejou ações judiciais e ensejaria muitas outras, caso se desse prosseguimento ao empreendimento. Terceiro, o Governo Federal assinou o Decreto de zoneamento da cana - de- açúcar, retirando o bioma Amazônia da área de expansão, impedindo a concessão de créditos bancários por meio do Conselho Monetário Nacional, dentre outros entraves. Quarto, de acordo com recente edição da Revista Exame, com o preço do petróleo no patamar em que está, não há grandes interesses que garantam a viabilidade econômica da produção de etanol, tanto é verdade que somente em um Estado brasileiro ainda vale à pena abastecer o carro com álcool, e as usinas estão se voltando para especular no mercado de açúcar. Mas tudo isso foi encoberto pelos meios de comunicação, sempre aliados dos poderosos locais, salvo raras exceções, como no caso da Folha de Boa Vista, que abriu espaço para a manifestação democrática dos que, como eu, se opuseram a tal aventura.

Agora as trombetas soam uníssonas no sentido de construir a redenção energética de Roraima, que seria uma hidroelétrica na região do Uiramutã. Outra mentira, tomando em conta que a crise de energia na Venezuela se deve principalmente à escassez de água, à falta de chuvas decorrente do fenômeno El Niño. O que justificaria a construção de uma hidroelétrica situada na mesma região climática? Roraima e o Estado Bolívar, na Venezuela, possuem o mesmo regime de chuvas. O município do Uiramutã já decretou situação de emergência devido à seca. E é lá que querem construir uma hidroelétrica salvadora? Parece piada. O poder público não cuidou nem das duas turbinas instaladas na usina de Jatapu.

Grandes contratos com grandes empreiteiras que, por conseqüência, financiam grandes candidaturas. Não seria isso o que se esconde por trás dos discursos técnicos?

Já chega. Nosso Estado possui muitas pessoas pensantes, bem formadas, e que não estão vinculadas com os interesses manipuladores e dissimulados que insistem em vender falsas soluções para o povo de Roraima. Essas pessoas estarão atentas, prontas para agir e denunciar os tergiversantes discursos, e as impensadas ações que porventura aconteçam.

Nessas lutas que buscam enriquecer o debate acerca das políticas públicas, e frear os ímpetos destrutivos e gananciosos de certos setores, poderemos até sair derrotados, eis que o Estado brasileiro nasceu para servir aos poderosos, mas jamais deixaremos de lutar utilizando nossos conhecimentos, dentro das nossas possibilidades.

* Defensor Público

Fonte: Folha de Boa Vista

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